A falácia das cinco regiões – parte II
Na semana passada defendi aqui que o modelo de regionalização a cinco regiões corre um risco sério de chumbar em referendo. Como não sou adivinho, não posso excluir que passe à tangente, pelo que hoje pretendo demonstrar que, nesse caso, estariam criadas as condições para um Portugal menos coeso e mais desigual. Na próxima semana, concluirei a série de artigos com a Parte III, onde apresentarei a minha proposta.
Para evitar equívocos, o exercício é a criação de regiões com competências aos níveis legislativo, financeiro, fiscal e administrativo, com autonomia e capacidade de traçar o seu futuro, ou seja, de ter uma agenda económica e social que dependa sobretudo de si mesma. As novas regiões deverão ter a possibilidade de celebrar com a União Europeia Acordos de Parceria para o acesso direto a fundos estruturais, assumindo-se, portanto, como NUT1.
Identifico, à partida, quatro critérios para o desenho de regiões com futuro: i) dimensão demográfica; ii) massa crítica económica; iii) competências administrativas; iv) existência de uma cidade-farol.
Começando pela demografia, recordo que as populações dos territórios das cinco CCDR variam entre 467 mil, no Algarve, e 3,6 milhões, no Norte, com uma média de 2 milhões. Para balizar estes números, a UE recomenda que as NUT1 tenham 3 a 7 milhões. Em França, que é o país com maior experiência em regionalização, as regiões variam entre 2,6 e 12,1 milhões, com uma média de 5,3 milhões, cerca de 2,7 vezes o valor da média nacional. É imediato concluir que, para ser NUT1, apenas o Norte e a Área Metropolitana de Lisboa qualificariam.
No que respeita à massa crítica económica, a situação é ainda mais preocupante, porque dela depende o mais importante instrumento de uma região: a fiscalidade. Para que a criação e cobrança de impostos regionais - naturalmente, substituindo os nacionais - sejam viáveis e impactantes, é necessário ter uma base económica regional com dimensão. O Norte - com a sua base industrial - e a AML - com o poderoso setor dos serviços - teriam todas as condições para suprir este critério. Já no Centro, no Alentejo e no Algarve, a equação seria inviável, porque, excluindo o eixo Aveiro-Leiria, as suas economias têm margem de progressão limitada porque são anémicas, e/ou mono-setoriais e/ou sazonais.
Em termos de competências administrativas e técnicas, os custos do centralismo estão bem plasmados no território. Sejamos claros: hoje, apenas em Lisboa e no Porto há capacidade instalada para assumir complexas funções da administração, como emitir dívida ou gerir complexos sistemas legislativos, financeiros e fiscais. Replicar esta capacidade em cinco regiões demoraria um tempo e implicaria um custo que não se compadece com as necessidades ou possibilidades do país.
Por fim, a cidade-farol. É hoje consensual que as cidades têm um papel insubstituível na imagem e dinâmica das regiões. A debilidade do nosso sistema urbano - em escala e equilíbrio - é aqui uma limitação. Para além de Lisboa e do Porto, e sem menorizar os méritos das outras, dificilmente se encontrariam cidades com escala e diversidade para se constituírem como bandeira internacional de uma região.
Feito o diagnóstico, o que seria uma regionalização a cinco regiões? A resposta é para mim óbvia. Lisboa dispararia, porque reúne todos os requisitos, herda as vantagens do centralismo e fica liberta de obrigações de coesão. O Norte melhoraria, porque passaria a ter estratégia própria, beneficiando da sua forte base industrial e do emergente setor dos serviços. Todo resto do país empobreceria, entregue a si próprio, porque não tem massa crítica suficiente, continuando a depender de transferências centrais. Este seria um país onde o fosso entre Lisboa e o resto do país se agravaria substancialmente, com o Norte a procurar não se atrasar. Ou seja, o contrário do que se pretende com a regionalização.
Professor catedrático