A Europa também já ficou de fora da revolução quântica
Houve um tempo em que empresas de alta tecnologia europeia ainda deram cartas no setor, incluindo com o desenvolvimento de microchips. Ocorre-me a Siemens, a Nokia, a Eriksson, para citar três exemplos. Daí até hoje, todas elas, tiveram a sua atividade partida em pedaços, fundiram o desenvolvimento com parceiros, obtendo diferentes graus de sucesso. Apesar de continuarem a ser nomes sonantes no mercado, são uma sombra do que foram. E não têm (de longe!) escala para competir com os gigantes que, de facto, têm capacidade para lançar os alicerces do futuro - como elas chegaram a fazer, ainda nem há 50 anos.
Na passada quinta-feira tivemos mais um exemplo disso mesmo, quando a Microsoft apresentou ao mundo o Majorama 1, o primeiro chip quântico “escalável”, capaz de aplicação industrial. Até aqui, a computação quântica estava dependente de processadores baseados em supercondutores, em que os qubits (as unidades de processamento, o equivalente qântico dos bits a informática tradicional) eram isolados por complexos sistemas em temperaturas próximas do zero absoluto.
No Majorama 1, a Microsoft criou um novo estado da matéria - que não é sólido, nem líquido, nem gasoso - chamado topológico, que permite manter estáveis as partículas quânticas no estado de “sobreposição” (com ambas as cargas elétricas em simultâneo, positiva e negativa) de forma eficiente, aplicando algoritmos de correção de erro, de forma a ser possível criar computadores quânticos comerciais capazes de antecipar em décadas a resolução de problemas complexos. No limite, estes aparelhos podem até pôr em causa os mais seguros sistemas de encriptação que hoje temos, mas deixemos isso para outra altura...
É um tipo de tecnologia que apenas uma empresa de “um bilião de dólares” poderia desenvolver e concretizar. Não admira, assim, que o grosso da investigação da computação quântica esteja nos EUA e na China - neste último caso, seja ela empresarial ou propriedade do governo, muitas vezes não se percebe bem. E não existe qualquer companhia destas no panorama europeu.
A China, aliás, é prolífera em anúncios de processadores quânticos. Ainda em dezembro divulgou ter criado o Tianyan-504, o “mais avançado do mundo”, capaz de ultrapassar o patamar dos 500 qubits de processamento, ultrassando o anterior recorde da americana IBM.
O Majorama 1 tem apenas 8 qubits de processamento, mas tem a vantagem de ser “escalável” (i.e., acoplável a outros chips) pelo que, diz a Microsoft, permitirá processamentos até “um milhão de qubits”.
É verdade que existe na Europa muita (e boa) investigação na computação quântica. E, de acordo com os sites especializados, são mais de 150 as startups que se dedicam a trabalhar na área. Mas segundo a Seedable, fonte de informação sobre este tipo de empresas, as principais 48 têm um capital total de 1,1 mil milhões de dólares - com financiamento médio de 23,9 milhões. No início do dia da última segunda-feira, a Microsoft valia 3,03 biliões. Três milhões de milhões. Qualquer semelhança é mera coincidência.
Editor do Diário de Notícias