A Europa face aos desafios do dueto Trump-Musk

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Ninguém sabe ao certo o que aí vem. Até os bilionários norte-americanos, gente habituada a fazer o que bem entendem, sentem que as regras do jogo político estão a mudar. Muitos resolveram não esperar pela tomada de posse para mostrar a sua subordinação às ideias e aos planos que o presidente-eleito já enunciou. É uma submissão insólita. Trata-se de uma questão de concordância de vistas, ou de mero oportunismo? Na verdade, parece resultar de uma combinação destas duas dimensões, de uma aposta num liberalismo económico nacionalista sem limites e na esperança do crescimento exponencial do saldo das suas contas pessoais.

Os senhores absolutos da tecnologia cibernética, das plataformas digitais e dos grandes meios de comunicação social começaram a virar a casaca a partir do momento em que perceberam que Trump voltaria a ocupar a Casa Branca. O exemplo mais recente vem de Mark Zuckerberg, o patrão da Meta, que inclui o Facebook, o Instagram, o WhatsApp e outras plataformas globais. O moralista de ontem transformou-se há dias num seguidor dos métodos que Trump advoga. E que Elon Musk inspira.

Trump e Musk constituem uma parelha de desequilibrados narcisistas e estranhamente reaccionários. É o que temos, a escolha está feita. São um perigo incomensurável para a estabilidade dos EUA, dos Estados vizinhos e também para a Europa democrática. E não influenciam apenas os bilionários. Os seus tentáculos são vastos e poderosos. Trump transformou e meteu no bolso o Partido Republicano, o Supremo Tribunal de Justiça e controla todos os outros órgãos do poder federal. E Musk tem nas mãos sectores fundamentais da economia e dois instrumentos essenciais para manipular a opinião pública - a plataforma X e a sua colossal fortuna.

Trump e Musk espelham uma ditadura de um novo tipo, apoiada numa maioria alienada, ultra-nacionalista, arrogante, materialista e egoísta. É o populismo ao ataque, com técnicas modernas e uma economia dominante. Remetem um ditador como Vladimir Putin para a segunda divisão do campeonato. E embora se considerem em competição com a China, estão convencidos de que esse jogo terminará com a derrota do adversário. Esquecem-se ou não sabem que é um erro fatal subestimar a competição entre grandes potências. A História mostra-nos que rivalidades assim acabaram na grande maioria dos casos por provocar terríveis conflitos armados entre os antagonistas. Com insensatos no poder, a probabilidade de repetir certas tragédias vividas no passado é uma possibilidade que não pode ser ignorada.

Para a União Europeia, é fundamental saber responder à Administração Trump-Musk. Nestas situações, e primeiro que mais, a melhor resposta da nossa parte é uma diplomacia activa, intensa e formal. Isto significa contactos frequentes, discussões de igual para igual, assentes em valores reconhecidos, reciprocidade de medidas e um comportamento essencialmente protocolar, sem efusões, no trato com os norte-americanos.

Na medida do possível, o ponto de contacto do lado europeu deveria ficar bem definido, ser gerido ao mais alto nível e assentar, tanto quanto possível, no consenso. Não podemos ter, por exemplo, Georgia Meloni a expressar uma posição e Emmanuel Macron uma outra. É aqui que a célebre observação que erradamente se atribui a Henry Kissinger teria todo o sentido: quando Trump quisesse discutir com a Europa telefonaria ao contacto definido. Dir-me-ão que, com Trump, regras e previsibilidade são para esquecer. Retorquiria que se deve insistir.

Um segundo elemento de resposta deverá passar pelo reforço da cooperação entre a Europa e certas regiões do globo, especialmente com aquelas que têm um relacionamento mais ténue com os EUA: a África e a América Latina. A estas acrescentaria a China e a Índia, mas com precauções reforçadas. As relações políticas e económicas com estes dois gigantes são importantes para a Europa, mas exigem muito equilíbrio, sabedoria e uma vigilância extrema. E não esqueceria nem o Canadá, nem o Japão.

O terceiro pilar da resposta consistiria no reforço da integração europeia, incluindo nas matérias relacionadas com a cultura, a união bancária e a Defesa. A cultura ajuda a imaginar o nosso futuro comum. A Defesa pede coerência, mais coordenação e investimentos. A linha política de Trump não inclui necessariamente a proteção militar da Europa. Com a NATO ou sem ela, os europeus têm de ser capazes de garantir a sua independência. Depender excessivamente de aliados distantes e imprevisíveis não é política que se recomende.

Conselheiro em SegurançaInternacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

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