A diplomacia e o voo das águias
A família política do centro-direita, conhecida pela designação de Partido Popular Europeu (PPE), vê-se como a vencedora das recentes eleições para o Parlamento Europeu (PE). Ganhou mais 14 mandatos e continua a ser a maior força política na assembleia que bizarramente mantém Estrasburgo como sede oficial. E conta que nos próximos tempos dois importantes países-membros – a Alemanha em 2025 e a Espanha em 2027, se não for antes – virão a ser governados por partidos que pertencem ao grupo, a CDU alemã e o Partido Popular espanhol. Por isso, não quer que o Conselho Europeu seja coordenado por um socialista por mais tempo que o justo necessário.
Terá ainda em conta que a presidência do PE deverá ser assegurada nesta primeira fase da legislatura por Roberta Metsola, do grupo PPE. Depois, a presidência passará muito provavelmente para o controlo de um outro agrupamento político. Poderá ser o socialista, o que daria então a essa força a liderança do Conselho e do PE, ao arrepio do número reduzido de estados-membros a ser então governado à esquerda.
Por isso, surgiu a proposta de um mandato cortado pela metade para António Costa. Foi como um coelho tirado da cartola. Revelou que certos líderes dos governos de direita, sobretudo no Leste da Europa, voam alto e de olhos fixos nestas coisas. Ou seja, a relação de forças no interior da UE parece ter iniciado um processo de mudança. Donald Tusk, da Polónia, e Andrej Plenkovic, da Croácia, são dois nomes a fixar. E olham para Costa, e não são os únicos, como um dirigente capaz de fazer alianças de conveniência com radicais hostis à UE e sobretudo à NATO. E também se interrogam sobre a sua firmeza face aos interesses da China.
Para já, a preocupação do centro-direita é segurar a chefia da Comissão Europeia. A sua carta mais evidente é Ursula von der Leyen. Para voltar a ser eleita, precisará do maior número de votos dos seus companheiros políticos, bem como do apoio dos sociais-democratas e dos liberais. Estes três grupos totalizam 406 assentos no PE. Alguns desses deputados não votarão em von der Leyen, por razões pessoais ou por questões de acentos tónicos. Em política, mesmo dentro da mesma área ideológica, os conflitos e os choques de personalidade fazem parte do jogo. Mas von der Leyen é o trunfo que o PPE tem em cima da mesa.
Assim, Costa continua como uma hipótese forte para a Presidência do Conselho Europeu. Parece ser o favor que o centro-direita estará pronto a fazer, por 30 meses, para obter os votos da social-democracia que von der Leyen precisa. Em complemento, a primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, seria a carta oferecida aos centristas e liberais, e a Emmanuel Macron, enquanto Alta Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.
No que respeita a Costa, o primeiro-ministro Luís Montenegro mostrou que lhe falta experiência para lá das nossas fronteiras. Foi claro, na cimeira informal do início da semana, no apoio a Costa, mas utilizou uma argumentação ingénua e contraproducente. Mencionou que se tratava de um português – isso não é argumento – e que era melhor do que qualquer outro socialista vindo de Espanha, da Dinamarca e não sei mais donde. Pura diplomacia clubista. Poderia ter dito, isso sim, que o recomenda, sem sombra de dúvidas, apesar de Costa representar uma outra família política, por se tratar de um líder com muita experiência governativa, nacional, europeia e internacional, um fazedor de consensos, firme na defesa dos interesses europeus. Mais ainda, pelo respeito que conquistou em África, na Índia, na América Latina e por saber manter um diálogo sereno com americanos, russos e chineses.
Referir a nacionalidade de Costa, deve ser para voos mais estratégicos, para sublinhar que somos um país que encara as grandes questões mundiais com ponderação, humanismo e respeito pelos valores universais. Verdade ou não, teria sido um discurso influente, bom para Costa e para Portugal.