A captura de um almirante
Para lá das frases de circunstância, da coreografia bem estudada, quer do candidato, quer da plateia, Gouveia e Melo não nos trouxe uma visão esclarecida de país, de mundo ou pensamento político sobre o presente ou futuro. Salvo a afirmação, e cito a partir de entrevista dada ao Diário de Notícias e TSF: “Podem ter a certeza absoluta de que, se a Europa for atacada e a NATO nos exigir, vamos morrer onde tivermos de morrer para defender a Europa, que é a nossa casa comum.” Para quem quer ser Presidente da República, com a máxima responsabilidade constitucional de defesa da soberania e da independência nacional, trata-se de um verdadeiro tropeção. Repare-se que não é por um qualquer desígnio e interesse nacional, é por exigência da NATO que os portugueses seriam atirados para uma guerra. Alimentar a vertigem belicista que o senhor Mark Rutte tem andado a espalhar pela Europa não será o que nos está a fazer mais falta. O que pensarão as famílias portuguesas desta ameaça de mobilização dos seus filhos e filhas?
A narrativa antissistema e antipartidos está na moda, mas assenta mal a um candidato à Presidência da República que tem na sua entourage autarcas como Isaltino de Morais, ex-ministros, dirigentes partidários e magnatas da comunicação social. No entanto, esta pretensa imagem de ordem, de imparcialidade, e esta narrativa suprapartidária visam um impacto na população. Há que tirar a radiografia.
Gouveia e Melo apresenta-se com um tom sebastiânico, acima das tricas político-partidárias, mas já está de cabeça enfiada nas mesmas. A presença de destacadas figuras do PSD, como Carlos Carreiras, Martins da Cruz ou Fernando Seara, e do CDS, como Francisco Rodrigues dos Santos e Ribeiro e Castro, somando-se a escolha de Rui Rio para seu mandatário nacional, cereja no topo do bolo, são a prova disso.
A reação do diretor de campanha de Luís Marques Mendes não se fez esperar e Luís Montenegro está confrontado com uma insurgência interna de repercussão pública. Aliás, além de destacados militantes do PSD, vê personalidades do seu parceiro de coligação na primeira fila da apresentação de Gouveia e Melo.
Olhemos agora para a movimentação de bastidores (e não só): Mário Ferreira, o empresário dono da Douro Azul, um dos homens mais ricos do país, acionista maioritário da TVI/CNN, que está acusado de fraude fiscal qualificada, parece o imediato de Gouveia e Melo. Não menos importante é a presença de Luís Bernardo, especialista em comunicação, responsável de campanhas eleitorais como a de José Sócrates, que também trabalha para Mário Ferreira na TVI/CNN. Não são meras presenças, não. Representam um setor de interesses económicos muito opacos, envoltos em várias polémicas e atuações alegadamente fraudulentas.
A candidatura de Gouveia e Melo parece ter sido capturada por grupos de interesse que se movem nas áreas do PSD e do CDS, bem como na complexa teia da competição no seio da comunicação social. Certamente não estão lá de forma desinteressada. O resultado é uma candidatura que, ao contrário da intenção anunciada de se colocar acima dos conflitos partidários, passou a fazer parte deles.
Vereadora independente, Cidadãos Por Lisboa, na CML