A atualidade à espreita

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Cumprido o meu dever cívico de dizer o que penso da posição do PS face ao Orçamento de Estado, não deixo de me espantar com um político que exclama: “Estou farto de convicções!” Nós sabemos já que vivemos num mundo político grouchomarxista, em que as convicções mudam conforme o apelo do freguês, mas eu prefiro os políticos que afirmam claramente as suas convicções à face do mundo, sejam liberais ou socialistas.

Com a atualidade à espreita, nunca estamos à vontade para falar de flores, de poemas, ou de quadros. Falemos de museus.

Ainda não visitei o CAM, afastado pelas imensas filas que rodeiam o edifício. Mas li um interessante artigo de Luís Raposo no Público, que me fez pensar na minha experiência de frequentador de museus.

Espera-se de um museu (que não é uma galeria) que, nos seus espaços principais, exponha uma seleção rotativa da sua coleção (há sempre reservas) e dedique salas e espaços separados para as exposições temporárias, que nos trazem os artistas contemporâneos. Se virmos, porém, os dois museus mais ricos em arte moderna e contemporânea portuguesa (Serralves e CAM), verificamos que o seu espaço principal é dedicado às exposições temporárias e a coleção de arte portuguesa fica nas reservas ou é exibida numas caves, num amontoado de obras primas, que faz lembrar as coleções de curiosidades do século XVIII...

Intervém aqui uma revolução dos tempos modernos, que é a primazia do programador (que pode nem ser historiador de Arte) sobre as obras exibidas e os seus autores. Sem diminuir o trabalho criador de quem escolhe obras de arte para uma exposição e tece uma narrativa para as englobar, reivindico o direito de conhecer os percursos da nossa arte moderna e contemporânea, numa simples e fora de moda narrativa cronológica.

Ouço as vozes que riem: “Lá vem o velho”. Mas eu não quero deixar de usufruir da arte mais vanguardista do meu tempo. Quero apenas (será pedir muito?) poder percorrer uma seleção múltipla e representativa da História de onde essas vanguardas brotaram.

Enfim, aguardarei uma visita ao CAM e farei o meu “mea culpa” se o que disse foi injusto. Mas a tendência que indiquei existe e tem força.

Entretanto, o Prémio Nobel da Literatura insistiu em premiar uma autora, que embora tenha tido já um Booker Prize, não está no palmarés dos nobelizáveis apresentado pelas grandes editoras aos grandes jornais. Já sabemos que o Comité Nobel foge sempre aos autores que lideram as cotações das apostas. Lerei com interesse os romances de Han Kang, de quem nunca tinha ouvido falar, mas que a Dom Quixote tinha tido já o acerto de publicar. E se a Maria do Rosário Pedreira gostou, eu confio no gosto dela.

Leio, neste momento, contos: as Cenas Portuguesas de António Carlos Cortez e Visitar Amigos de Luísa Costa Gomes. Ambos introduzem novidades narrativas e estilísticas, que não prejudicam o efeito de surpresa que é inerente à arte do conto, já que nos dois vem brilhar uma escrita avessa a banalidades e lugares comuns.

Veem como é possível deixar a atualidade a espreitar pela janela?
E ficará, com esta atitude, a minha prosa mais insossa?

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