O sentido da (des)mutualização da Banca Cooperativa
Neste ano em que as Nações Unidas celebram as cooperativas e o cooperativismo, não devemos desperdiçar a oportunidade de refletir seriamente sobre a extraordinária importância dos bancos cooperativos. Uma importância que tem sido desvalorizada ao longo dos últimos anos - por vezes, desvalorizada pelos que deveriam ser os primeiros a defender a mais-valia e a identidade de uma banca cujo o foco são os resultados e não o lucro dos acionistas.
A banca europeia não é toda igual, pelo contrário. É uma mistura de projetos diferentes, de uma banca que pode ser pública, privada, cooperativa ou mutualista. Porém, ao contrário do que seria ideal, nem sempre os projetos assumem a sua identidade. Este é ponto que trago para reflexão. A circunstância da banca cooperativa entrar em atividades que não correspondem ao seu negócio tradicional. Dito de outra maneira, o perigo de tentar ser o que não se é, de tentar imitar uma banca com objetivos diferentes, por vezes opostos.
Um leão é um leão, um elefante é um elefante se ambos souberem ao que vieram a natureza permite-lhe coexistir.
Um erro que se pagará caro. Porque o modelo de banco cooperativo, sobretudo neste tempo de desconfiança, faz mais sentido do que nunca e poderia ser cada vez mais atrativo se não se desviasse da sua génese. É preciso relembrar que os bancos cooperativos se desenvolveram dentro das próprias comunidades e a seu favor, sendo a gestão e os seus dirigentes supervisionados pelos coproprietários pertencentes às comunidades.
O seu funcionamento assenta nos princípios da identidade, autonomia, responsabilidade e financiamento pelos seus próprios membros. As funções essenciais de controlo, gestão de riscos, auditoria e compliance, são exercidas de maneira natural e eficaz por todos os envolvidos, e a informação sobre o cliente, e consequentemente sobre a evolução da atividade das suas partes interessadas, têm um elevado valor de responsabilidade e ou credibilidade. Claro que isto , não inviabiliza os modelos de controlo de risco micro e macro prudenciais, antes os reforça.
A banca mutualista, quando bem gerida de acordo com o seu modelo, não tem risco sistémico porque está bastante capitalizada como é da sua natureza. Eis um tema vasto, polémico, mas necessário. Na Caixa Agrícola de Torres Vedras, através de vários fóruns, temos discutido sem dogmas o futuro do que somos e podemos aportar. Sem fugir a polémicas, assumindo o nosso dever perante a comunidade, mas também o dever de sermos parte de um todo, o dever de ajudarmos a pensar a banca portuguesa. Sem nenhum complexo de inferioridade.
A questão que fica e que tratarei na próxima semana é essencial: o que nos trouxe a desmutualização de bancos que deveriam estar na primeira linha dos que defendem a diversidade como valor distintivo da sua ação? O que ganharam os que resolveram alienar a sua relação com as comunidades em nome de uma homogeneização que apenas protege a ambição de alguns? Voltarei ao tema na próxima semana.
Presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras
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