No discurso que encerrou a primeira sessão solene do 25 de Novembro de 1975 na Assembleia da República, Marcelo Rebelo de Sousa fez por ser conciliatório e abrangente. Defendeu que “não existe contradição” entre celebrar a data que representou o triunfo dos militares moderados e a consolidação da democracia em Portugal, pondo termo ao Processo Revolucionário em Curso (PREC), e a “data maior” do 25 de Abril de 1974, que trouxe o “fim do ciclo imperial de cinco séculos” e o “fim da ditadura de cinco décadas”. Mas tal esforço - e o do presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, que falara antes - esteve longe de sanar as divergências que marcaram a manhã desta segunda-feira no Palácio de São Bento..Nem o antigo Presidente da República Ramalho Eanes, comandante operacional das forças ligadas ao Grupo dos Nove que há 49 anos dominaram a sublevação de unidades militares ligadas à extrema-esquerda, e o fundador do PS, Mário Soares, triunfador político do 25 de Novembro de 1975, conseguiram agradar a todos os deputados dos partidos com representação parlamentar que intervieram na sessão solene. Não por Eanes, que se deslocou à Assembleia da República, ou o já falecido Soares terem sido criticados, mas por haver intervenções que omitiram os seus nomes..Sobretudo a de Joana Mortágua, única deputada do Bloco de Esquerda a participar numa sessão muito criticada pelo seu partido, para quem “a mistificação do significado histórico do 25 de Novembro é uma manobra dos derrotados de Abril”. Profetizando que “esta sessão e as que se realizarem nos próximos dois ou três anos serão lembradas no futuro como um momento folclórico de um tempo bizarro em que o PSD e as extremas-direitas se aliaram no revisionismo histórico”, disse que a “diabolização do PREC” tem a finalidade de “alimentar a mitologia de uma certa direita que pretende normalizar o regime social do Estado Novo”..Antes, numa sessão em que o primeiro discurso foi da deputada única do PAN, Inês de Sousa Real - que, tal como Filipa Pinto, eleita pelo Livre, evocou a recém-desaparecida Celeste Caeiro, que a 25 de Abril de 1974 distribuiu cravos vermelhos aos militares que vieram a Lisboa derrubar a ditadura -, o líder parlamentar do CDS-PP, Paulo Núncio, protagonizara o primeiro round dos pró-comemoração. O centrista, autor do projeto de resolução para a realização de uma sessão solene anual - aprovado pelo PSD, Chega e Iniciativa Liberal, numa rara manifestação prática da maioria de direita no hemiciclo -, disse que “com o 25 de Abril ganhámos a liberdade e com o 25 de Novembro evitámos que a liberdade se perdesse”, na medida em que “resgatou o plano inicial da democratização”..“Celebramos o direito de todas as forças políticas estarem aqui, por vontade do povo, mesmo aquelas que decidiram não estar aqui hoje nesta sessão solene”, vincou Núncio, numa farpa à ausência do PCP, cuja líder parlamentar, Paula Santos, diria mais tarde, em conferência de imprensa, que a inédita cerimónia foi uma “provocação e ajuste de contas” com o 25 de Abril, criticando o Presidente da República por se ter associado a “um desfilar de conceções retrógadas, reacionárias e fascizantes”. .Pontes com o presente.As acusações, vindas dos partidos de esquerda, de que a primeiro comemoração oficial do 25 de Novembro na Assembleia da República tinha caráter provocatório foram abordadas pelo líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha. Falando sobre o “momento decisivo para a firmação da democracia em Portugal”, evocou o papel de Ramalho Eanes e Mário Soares, dizendo que ambos “não procuraram consensos com aqueles que não amavam a liberdade”..No entanto, após recusar que, “em nome do consenso, os democratas devam apagar-se, cedendo aos saudosistas da deriva totalitária”, que reescrevem a História para “fazer de vencedores derrotados, e de derrotados vencedores”, Rocha fez uma ponte entre lutas políticas do passado e do presente. “Também hoje é preciso combater radicalismos em nome da liberdade”, disse, esperando que a “luz de Novembro” guie o combate “contra as políticas identitárias, a teoria da justiça social e o wokismo, derivas totalitárias que têm o propósito de enfiar todos em gavetas”. E contra “nacionalismos exacerbados, protecionismos e isolacionismos que querem condenar-nos à mesma deriva totalitária”..Já o presidente do Chega, André Ventura, por entre homenagens a Ramalho Eanes, ao falecido Jaime Neves e à Associação de Comandos e - com menos fulgor - a Mário Soares, defendeu que, 49 anos após a vitória sobre “a ameaça de uma ditadura soviética”, num país que estava “sem rei nem roque”, Portugal se encontra “debaixo de outra ameaça real”, identificada como a “imigração descontrolada que destrói o nosso país e retira a nossa identidade”. Tal como o “drama da corrupção que volta a minar o Estado” e que, garantiu, “temos que limpar, doa a quem doer”..Também sobre o presente, Inês de Sousa Real partilhara preocupação com um Parlamento onde o combate às alterações climáticas, os direitos LGBT e das mulheres e a proteção dos animais “deixaram de ser temas consensuais”. E Filipa Pinto, após dizer que “há 49 anos evitou-se uma guerra civil, mas não pela mão dos herdeiros do fascismo”, dedicara quase toda a intervenção ao Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres”, também assinalado nesta segunda-feira..PS sem “qualquer dúvida”.Entre os dois maiores grupos parlamentares da legislatura, cada qual com 78 deputados, também se espelharam as divisões que marcaram a sessão solene. Pelo lado do PS, Pedro Delgado Alves, que acabou a recitar versos de Manuel Alegre, recuperou reflexões de Mário Soares sobre datas marcantes da Revolução, das quais excluiu o 25 de Novembro. “Em 50 anos, em momento algum, tivemos qualquer dúvida sobre o que devíamos valorizar, sobre o que devíamos construir como memória histórica. Não o façamos agora. Não viremos Novembro contra Abril”, apelou, após realçar que, em vez de “uma vitória da direita sobre a esquerda”, o 25 de Novembro “foi uma vitória da esquerda democrática do Portugal de Abril, militar e civil, e de todos os que, de outros campos políticos com ela se aliaram para derrotar a deriva radical e sectária e o aventureirismo equivocado que ameaçava a realização da democracia”..Pelo PSD, Miguel Guimarães apresentou o 25 de Novembro como a data que “simboliza o triunfo da moderação sobre o extremismo”, defendendo a celebração da data “que nos deve unir e não dividir”. “Ninguém de boa fé negará que foi o 25 de Novembro que nos possibilitou viver numa democracia liberal e pluralista”, disse o antigo bastonário dos Médicos, enumerando episódios em sentido contrário no PREC, como as nacionalizações, ocupações, saneamentos, prisões arbitrárias, mandados de captura em branco ou o cerco da Assembleia Constituinte..Sessão Solene do 25 de Novembro de 1975Lisboa, 25/11/2024 - Assembleia da República, Sessão Solene do 25 de Novembro de 1975. Esteve presente o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa e o Presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar BrancLeonardo Negrão | Leonardo Negrão