Vítimas em camião passaram pelo menos 10 horas a temperaturas de -25 graus
A China acusa as autoridades britânicas e de outros países de não fazerem o suficiente para travar o tráfico de seres humanos. Belgas acreditam que as vítimas já estariam no contentor quando atravessaram a fronteira para o Reino Unido.
As 39 pessoas de nacionalidade chinesa encontradas mortas num camião, em Inglaterra, terão passado pelo menos 10 horas na câmara frigorífica do veículo, a temperaturas inferiores a -25 graus centígrados. Segundo o The Guardian, que cita as autoridades locais, as vítimas já estavam fechadas no camião antes de este ter chegado ao porto de Zeebrugge, na Bélgica, na terça-feira à tarde, a caminho de Inglaterra.
Joachim Coens, chefe-executivo do porto, defende que as vítimas - 31 homens e 8 mulheres - não poderiam ter entrado no camião depois de este chegar à zona portuária, às 14.49 de terça-feira, uma vez que as câmaras frigoríficas estão completamente seladas naquela área. "Durante a examinação, a selagem é verificada, assim como a matrícula do veículo. O motorista é verificado pelas câmaras", afirmou aos media belgas.
Uma opinião partilhada por Dirk de Fauw, presidente da câmara de Bruges, que acredita que a probabilidade de partir a selagem e aplicar uma nova sem ninguém perceber é "extremamente baixa".
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Mas ainda existem muitas dúvidas sobre quando e onde é que as vítimas foram trancadas dentro da câmara frigorífica do camião. Sabe-se que o o atrelado-frigorífico saiu desacompanhado do porto de Zeebrugge, na Bélgica, rumo a Purfleet, em Essex, Inglaterra. Aí, perto do Rio Tamisa, terá sido foi rebocado pelo camião que viria a ser apreendido na quarta-feira no Parque Industrial de Waterglade, em Grays.
Quem conduzia o camião era Mo Robison, de 25 anos, residente na cidade de Portadown, localizada no condado de Armagh, na Irlanda do Norte, que se encontra detido sob suspeita de homicídio. Segundo o The Guardian, o camião teria sido transportado de ferry, de Dublin para Holyhead, no domingo. A empresa responsável, a GTR, já manifestou pesar pela morte das vítimas, garantindo que não sabia que o veículo pesado seria usado para aquele fim.
Na sequência da detenção, os pais do jovem viajaram para Inglaterra a pedido da polícia da Irlanda do Norte e as casas da família foram alvos de buscas.
Levados de ambulância para o hospital Broomfield, em Chelmsford, diz a BBC, os corpos das vítimas vão ser sujeitos aos exames post-mortem. De acordo com os especialistas ouvidos, será um processo "muito lento e organizado". Será necessário perceber se há documentos, passaportes, se as vítimas foram agredidas, forçadas a entrar para o camião.
Segundo um porta-voz da polícia, a identificação das vítimas vai levar algum tempo, sendo que a sua dignidade é a principal preocupação das autoridades. Liu Xiaoming, embaixador chinês no Reino Unido, disse que enviou uma equipa para ajudar a polícia a identificar os cidadãos que morreram, mas ressalvou que a nacionalidade das vítimas ainda não foi confirmada.
Por agora, a investigação, que também envolve as autoridades irlandesas, belgas e chinesas, está centrada na hipótese de tráfico humano. Contudo, diz o Daily Telegraph, não está excluída a hipótese de haver ligações a um grupo criminoso, baseado no sul de Armagh, com paramilitares dissidentes.
China pede esforços para combater o tráfico
Na sequência do caso, a China apelou esta sexta-feira a esforços conjuntos para combater o tráfico de seres humanos. Hua Chunying, porta-voz do ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, disse que a China ainda não pode confirmar as nacionalidades ou identidades das vítimas, mas que está a cooperar com as autoridades locais.
"A polícia britânica ainda está no processo de verificação da identidade e ainda não conseguiu confirmar até ao momento", disse Hua.
A porta-voz disse que, independentemente da origem das vítimas, trata-se de uma "grande tragédia, que chamou a atenção da comunidade internacional para a questão da imigração ilegal".
"Acho que a comunidade internacional deve fortalecer ainda mais a cooperação nesta área, aumentar a partilha de informação neste âmbito e realizar intervenções que previnam estas atividades, a fim de impedir que tragédias se repitam no futuro", afirmou.
Hua disse que as autoridades chinesas também estão a procurar informações junto da polícia da Bélgica, de onde o contentor que transportava os corpos partiu rumo a Inglaterra.
Acredita-se que o tráfico de seres humanos com origem na China tenha caído drasticamente nos últimos anos, face a uma economia doméstica em rápido crescimento. No entanto, alguns chineses, sobretudo de meios rurais, continuam a ir para a Europa e América do Norte, pela promessa de salários muito mais altos do que receberiam na China, e apesar dos riscos. Algumas províncias da China, especialmente Fujian, no sudeste do país, têm uma longa história de imigração.
A questão é também sensível para o Partido Comunista, partido único do poder e sensível à imagem internacional da China.
A melhoria dos padrões de vida da população chinesa é umas das suas principais fontes de legitimidade.
Em editorial, o Global Times, jornal do Partido Comunista Chinês, acusou hoje as autoridades britânicas e de outros países de não fazerem o suficiente para travar o tráfico de seres humanos. "Um desastre humanitário tão sério ocorreu aos olhos de britânicos e europeus", apontou o jornal.
"A Grã-Bretanha e os países europeus envolvidos não cumpriram com a sua responsabilidade de proteger estas pessoas", acusou.
Com Lusa