Vaga de ameaças de bomba assusta Moscovo. 1,6 milhões de pessoas já foram afetadas

Em três meses, houve 1,6 milhões de pessoas retiradas só na cidade de Moscovo. Escolas, tribunais, centros comerciais e igrejas têm sido alvo de um fenómeno insólito. Autoridades russas permanecem em silêncio.
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Os moscovitas estão confusos e assustados com a sucessão de ameaças de bomba que se revelam falsas mas forçam a evacuação de tribunais, escolas e centros comerciais, enquanto as autoridades parecem incapazes de encontrar os culpados, mesmo depois de meses de perturbação da vida pública.

Os avisos de bombas, todos falsos, têm sido enviados para inúmeras cidades russas, mas atingiram particularmente a capital, onde cerca de 16 milhões de pessoas vivem e trabalham, com registo de, pelo menos, 1000 ameaças por dia.

Desde o final de novembro, mais de 1,6 milhão de pessoas foram retiradas de prédios em Moscovo, informou a agência de notícias Interfax. No entanto, as autoridades e os canais de televisão controlados pelo Kremlin permanecem bastante silenciosos sobre o assunto.

Yulia Olshanskaya, uma autoridade do governo local, disse que a escola da sua filha Maria foi evacuada "mais que uma vez e até várias vezes no mesmo dia" durante dezembro. "Já nem conseguimos contar quantas vezes isso aconteceu", disse.

"Às vezes, as aulas eram canceladas ou adiadas naqueles dias e também evacuavam pessoas", disse Maria Olshanskaya, 13 anos.

Outra moscovita, Yulia Grebenchenko, disse que a escola da filha foi evacuada 13 vezes desde o início de dezembro.

"Alguns pais até contrataram um tratador de cães para verificar a escola mais rapidamente, porque nunca se sabe quanto tempo as unidades de cães da polícia levarão a chegar", disse a empregada de escritório.

Catedral, metro, piscinas. Nada escapa

As ameaças são sempre emitidas da mesma maneira: uma grande quantidade de emails é enviada de fornecedores encriptados para organizações e empresas que, de acordo com a lei, devem ser inspecionadas ou evacuadas.

Ninguém calculou o custo exato da vaga, mas os danos financeiros de uma onda semelhante de trotes com bombas telefónicas em 2017 chegaram a milhões de dólares, disseram as autoridades russas.

Num único dia, 5 de fevereiro, 1500 locais foram afetados, incluindo uma igreja, cerca de 30 tribunais, 150 instituições educativas, 232 estações de metro, mais de uma dúzia de clínicas, 75 piscinas e cerca de 50 centros comerciais", confirmou fonte conhecedora à agência de notícias Interfax.

"Acabei de perder várias horas de trabalho", disse Sergei, ativista dos direitos LGBT, enquanto esperava que cães-polícias chegassem ao tribunal do distrito de Basmanny, em Moscovo, na quinta-feira, depois de todos serem forçados a sair.

No final de janeiro, o serviço de segurança FSB, sucessor do KGB, e o órgão de vigilância estatal das comunicações Roskomnadzor anunciaram que dois servidores de email encriptados, localizados no exterior, foram bloqueados após serem usados para enviar ameaças falsas.

Não mencionaram suspeitos nem deram pistas ou motivos, nem emitiram qualquer garantia ao público, apesar da grande perturbação.

As redes sociais e relatos nos media vão lançando algumas pistas. A conta de Telegram dos tribunais de São Petersburgo publicou uma série de mensagens referentes a um esquema sombrio de chantagem envolvendo a moeda virtual Bitcoin.

Incluem pedidos pela devolução de 120 bitcoins (1,2 milhões de dólares na taxa atual) que foram supostamente roubados pelo bilionário russo Konstantin Malofeyev, usando a agora extinta plataforma de criptomoeda WEX.

Estado completamente impotente

Este oligarca ultraconservador - alvo de sanções ocidentais e supostamente próximo das forças separatistas no leste da Ucrânia e do serviço de segurança russo - negou qualquer envolvimento.

Especialistas sugeriram que as autoridades estão num impasse, enquanto a televisão controlada pelo Kremlin ignora amplamente os boatos sobre as bombas.

"Este incidente mostra que o estado russo é completamente impotente", disse Valery Shiryayev, ex-oficial da KGB que escreve sobre assuntos militares para o jornal independente Novaya Gazeta.

"Se discutissem isso na TV nacional, as pessoas teriam ainda menos confiança nas autoridades", disse à AFP.

Até o Roskomnadzor admitiu que o bloqueio de emails encriptados tem apenas um efeito limitado, pois os utilizadores podem simplesmente usar um servidor ou VPN diferente.

"Na verdade, é possível que a tecnologia seja tão complexa hoje em dia e ofereça aos criminosos tantas ferramentas que nem os serviços secretos com os melhores equipamentos podem impedi-los", disse Shiryayev. E alertou que a mesma tática poderá ser usada noutro lugar. "Atualmente, esta arma foi usada apenas contra a Rússia, mas lembre-se de que pode atingir qualquer pessoa."

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