UE de Macron será "do povo" e terá um En Marche! europeu
No Discurso sobre a Europa, na Sorbonne, presidente defendeu uma Comissão Europeia a 15 e uma força comum de intervenção.
"Se [Angela Merkel] se aliar com o FDP, estou feito", desabafava Emmanuel Macron em julho, segundo escrevia na altura o Le Monde. Agora que o pior pesadelo do presidente francês parece inevitável e a chanceler alemã, diante da relutância dos sociais-democratas do SPD em renovar a Grande Coligação após o desaire eleitoral de domingo, precisa de somar os liberais aos Verdes para formar governo, tudo indica que Berlim estará menos aberta às suas propostas de refundação da União Europeia (UE).
Mas isso não impediu - talvez até tenha incentivado - Macron de fazer ontem um discurso sobre a Europa na Sorbonne em que reafirmou velhas propostas - como um orçamento "mais forte" da zona euro, com um ministro das Finanças próprio; reforma do processo de asilo, criação de uma "força comum de intervenção", a criação de uma agência europeia da inovação ou de um Ministério Público europeu contra a criminalidade e terrorismo. Mas também apresentou novas ideias, como uma Comissão Europeia com apenas 15 membros, com os fundadores a "dar o exemplo", abdicando do seu comissário.
Defendendo a refundação do "projeto europeu para e pelo povo, a refundação da Europa pela base", Macron deixou a ideia de abrir um "vasto debate sobre a Europa nos países que desejem" juntar-se a esta iniciativa. Isto para "dar um conteúdo à UE antes das eleições de europeias de 2019". Apoiante de metade do Parlamento Europeu ser eleito através de listas transnacionais, o presidente francês parece vir dar razão ao artigo do Politico segundo o qual Macron não só quer pôr os cidadãos europeus de vários países a debater o futuro da UE como estará a tentar criar "uma aliança de partidos europeus, ou mesmo um verdadeiro partido, que apoie a sua visão de uma Europa mais "protetora" a tempo dos próximo escrutínio" europeu.
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Segundo Pieyre-Alexandre Anglade, deputado francês e descrito pelo Politico como um dos "agentes" de Macron, a ideia é atrair pessoas de vários setores: dos liberais, dos sociais-democratas ou do Partido Popular Europeu para aquilo que seria uma espécie de En Marche! europeu.
Macron criou o seu próprio partido (entretanto rebatizado La République en Marche - LREM) em abril de 2016, quando ainda era ministro da Economia no governo do presidente François Hollande. Pouco mais de um ano depois, e já após ter deixado o executivo, vencia as presidenciais francesas, derrotando na segunda volta a líder da Frente Nacional, Marine Le Pen. Desde então ganhou as legislativas com maioria absoluta, tendo sofrido nas senatoriais do último domingo o único revés nas urnas.
Pelo meio, Macron, que aos 39 anos é o mais jovem presidente francês, conseguiu ainda conquistar um lugar de destaque no cenário internacional, fosse com o aperto de mão forte a Donald Trump no primeiro encontro entre ambos ou, ainda, no discurso na Assembleia Geral da ONU em que mais uma vez se impôs como alternativa ao presidente americano. Para Bernard Guetta, jornalista da revista económica Challenges, além de "opor uma visão serena e calma às diatribes de Donald Trump, [Macron] beneficiou também do facto de haver no mundo uma expectativa em relação à Europa, uma busca pela sua estabilidade entre a imprevisibilidade da Casa Branca, o regresso da Rússia, a afirmação da China e o terrorismo jihadista".
Assim, e com uma chanceler Merkel embrenhada nos próximos meses em difíceis negociações para formar a sua coligação de governo, Macron tem uma janela de oportunidade para assumir a rédeas da Europa e apresentar o seu projeto para o Velho Continente. Até porque se de facto os liberais do FDP se juntarem à CDU e aos Verdes ao novo executivo em Berlim, estes nunca esconderam o seu ceticismo em relação à UE, com o seu líder, Christian Lindner, a avisar que se opõe ferozmente a qualquer projeto de orçamento da zona euro. E até a própria Merkel já se começou a mostrar menos entusiasta perante as ideias de Macron, sublinhando que ainda não chegou "o momento de dizer o que avança e o que não".
Na Sorbonne, diante de 800 pessoas, na maioria estudantes franceses e de outros países europeus, Macron estabeleceu as "seis chaves" da sua UE: primeiro, segurança; segundo, controlo das migrações; terceiro, mais política de desenvolvimento, sobretudo em relação a África; quarto, transição ecológica; quinto, transformação digital e, sexto, soberania monetária e industrial.
Propostas que já receberam os aplausos do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que no Twitter saudou "um discurso muito europeu do meu amigo Emmanuel Macron", acrescentando: "A Europa precisa de coragem. Obrigado pelo seu apoio ao trabalho das instituições da UE."