Terrorismo islamita é novo desafio de segurança em Moçambique

Província, onde estão em curso avultados investimentos no setor do gás natural, tem sido palco de ataques desde outubro de 2017 reivindicados por um grupo islamita.

Desde há oito meses uma nova ameaça de violência, ainda que até agora localizada, paira sobre Moçambique - as ações de elementos ligados ao terrorismo islamita das milícias Al-Shabaab, ativos na província de Cabo Delgado desde 5 de outubro de 2017. Estas ações terão causado já cerca de 30 mortos e no final de maio a televisão moçambicana TVM mostrou um vídeo com a reivindicação daquele primeiro ataque, vendo-se na imagem cinco indivíduos armados e de cara tapada, afirmando um deles em português "que Alá nos vai apoiar".


Após o ataque de outubro, que ocorreu em Mocímboa da Praia, a mesma localidade foi atacada no final de novembro e, desde então, os islamitas realizaram ações noutros pontos de Cabo Delgado, geralmente em meios rurais próximos da fronteira com a Tanzânia. O mais recente sucedeu a 27 de maio nas aldeias de Olumbi e Monjane, tendo perdido a vida dez civis, dois deles adolescentes, de 15 e 16 anos, mortos e decapitados com catanas.

A polícia tem realizado detenções e afirma que o grupo está a ser dizimado em sucessivas operações.

O dirigente do conselho islâmico de Cabo Delgado, Said Bakar, explicava logo em outubro na RTP-África que o grupo estava ativo na província desde "há um ano e seis meses". Um estudo divulgado no final de abril, da autoria de três moçambicanos, colocava o início da atividade do grupo mais atrás no tempo e que, a partir de 2015, começou a organizar células armadas. Intitulado Radicalização Islâmica no Norte de Moçambique: o Caso da Mocímboa da Praia e da autoria do xeque Saide Habibe e dos investigadores João Pereira e Salvador Forquilha, o estudo estabeleceu que os islamitas estão ligados a organizações que operam o tráfico ilegal de madeira e de pedras preciosas, movimentando avultadas verbas. De acordo com o estudo, só na venda de rubis conseguiriam 30 milhões de dólares por ano (25,4 milhões de euros). O que lhes permite aliciar militantes com a promessa de elevados pagamentos. A facilidade de recrutamento resulta, precisamente, do facto do grupo visar jovens sem emprego e de serem maioritariamente membros do mais pequeno e marginalizado grupo étnico, os kimwanis. Alguns estrangeiros oriundos, nomeadamente, da Tanzânia e outros países da região dos Grandes Lagos (RDCongo, Burundi, Ruanda e Uganda).

Um aspeto salientado neste trabalho, e ao contrário de certas sugestões feitas logo após os ataques de 2017, é que não existe qualquer ligação entre o grupo e a principal formação da oposição, a Renamo, nem elementos ou ex-elementos deste movimento estarão associados aos islamitas.

No plano religioso, o grupo, que inicialmente se intitulava Ahlu Sunnah Wa-Jama (Adeptos da Tradição Profética), tem base sunita conservadora, advoga a imposição da lei islâmica (a charia) e, segundo as conclusões do estudo, consideraria que o islão professado pela generalidade dos muçulmanos moçambicanos se desviara da ortodoxia. É constituído predominantemente por jovens, sendo, por isso, chamado pelas populações locais por Al-Shabaab (palavra árabe que se pode traduzir por juventude), uma designação que o grupo teria adotado em paralelo com a de Al-Sunna.

A influência das milícias Al-Shabaab, baseadas na Somália onde chegaram a controlar boa parte do país entre 2013-2014, será por via indireta através de islamitas do Quénia e da Tanzânia. O mentor inicial do grupo seria um queniano, Abudo Rogo Mohammed, entretanto morto pela polícia do seu país.

Um dado destacado pelo estudo é que o grupo receberia treino de ex-polícias expulsos da instituição. Além de campos de treino na própria província de Cabo Delgado, receberiam formação de milícias da região dos Grandes Lagos, entre as quais algumas baseadas na RDCongo. O que levou as autoridades de Kinshasa e de Maputo a acordarem no início da semana o reforço da cooperação, como explicou o comandante-geral da polícia moçambicana, Bernardino Rafael, citado pelo serviço África da Deutsche Welle: "estamos a alinhar posições para melhor combater estes malfeitores". Maputo tem procurado desvalorizar a crise em Cabo Delgado. Ainda em março, o vice-ministro da Defesa Nacional, Patrício José, admitindo a existência de uma ameaça à segurança, mas não se justificaria uma intervenção militar. "A polícia está a fazer a sua parte", disse aos media moçambicanos. Todavia, no final de abril, o ministro da Defesa, Atanasio M"Tumuke, falando após uma reunião da comissão conjunta de defesa Moçambique-Zâmbia, referia que "grupos extremistas" estão a procurar instalar-se "na região dos Grandes Lagos e no sul de África" e que o seu país não estaria imune ao fenómeno.

Além da questão da segurança das populações, a situação em Cabo Delgado tem provocado preocupação suplementar por ser nesta província que está em desenvolvimento um projeto de exploração de gás natural, a inaugurar em 2022, considerado fundamental para a economia moçambicana. Além das áreas de exploração ao largo da costa, está em construção um complexo de tratamento do gás na região de Afungi, que irá ocupa uma área de 50 quilómetros quadrados. Afungi dista apenas 60 quilómetros de Mocímboa da Praia.

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