Salvini autoriza "contra a vontade" o desembarque de 27 menores do Open Arms

Capitão do navio denuncia situações de desespero entre os passageiros. "É insustentável", alerta psicólogo a bordo. Imigrantes estão há 15 dias à espera de pisar terra firme. Entretanto, Matteo Salvini, vice-presidente e ministro do Interior italiano, cedeu e autorizou o desembarque dos 27 menores a bordo
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Contra a sua vontade, Matteo Salvini, vice-presidente e ministro do Interior da Itália, autorizou o desembarque de 27 menores do navio humanitário espanhol Open Arms, que está há duas semanas para atracar. "Eu faço isto contra a minha vontade", fez questão de dizer. A decisão surge só "porque o primeiro-ministro me pediu", esclareceu o ministro, citado pelo La Repubblica.

A organização não-governamental espanhola que opera o navio, a Proativa Open Arms, precisou no Twitter que a autorização é apenas relativa a 27 menores não-acompanhados, de um total de 29 menores a bordo.

O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, enviou este sábado a Salvini, líder do partido de extrema-direita Liga, uma carta de três páginas pedindo que os menores sejam autorizados a deixar o navio.

No Twitter, a Open Arms indicou que pediu algum tempo para proceder à retirada dos menores "para comunicar a decisão de forma adequada" e manter a calma entre os passageiros, num contexto, descrito horas antes pelo fundador da ONG, Óscar Camps, como uma "situação fora de controlo" em que os voluntários não podem "garantir a segurança" das pessoas a bordo e receiam um motim.

A ONG estima no entanto que todos os 27 menores possam ser retirados este sábado pela guarda costeira da ilha italiana de Lampedusa.

"A escolha é exclusivamente do primeiro-ministro e pressupõe um precedente perigoso", disse Salvini, frisando que espera "novidades na segunda-feira" relativamente ao recurso que apresentou da decisão judicial de permitir a entrada do navio em águas italianas para se refugiar de uma tempestade marítima.

Tentativas de suicídio e agressividade: Open Arms é uma "bomba-relógio"

​​​​​São 134 os imigrantes a bordo do navio humanitário espanhol Open Arms. Sírios, magrebinos e sudaneses. Há "gente que passou pela prisão na Líbia, mulheres que sofreram abusos sexuais" e pessoas com "ferimentos de tortura". Depois de 14 dias em alto mar e um em frente à costa da ilha italiana de Lampedusa, o psicólogo a bordo avisa que a situação se tornou "insustentável". A saída a "conta-gotas" de alguns imigrantes que estavam em "sofrimento psicológico extremo" só aumentou a pressão: para quando a saída de todos os que continuam no barco? A agravar a situação está o medo terrível que todos eles têm do mar: a maioria não sabe nadar.

Alessandro di Benedetto, o psicólogo do Open Arms - voluntário da organização Emergency - diz que os imigrantes chegaram ao limite das suas forças, físicas e psicológicas. Registou "comportamentos agressivos" entre alguns passageiros, que a cada dia se sentem mais desesperados.

Avisou também que a longa permanência a bordo só pode agravar as condições atuais. "À luz dos sintomas que tenho visto, considero que retardar o desembarque seria catastrófico e com isso corremos o risco de perder o controlo da situação".

"Houve uma tentativa de suicídio, um pequeno grupo de passageiros tentou atirar-se ao mar", contou. "Nas últimas horas a situação, que por si só já era dramática, ficou insustentável e corremos o risco de viver uma tragédia", disse ao El País, a partir de um telefone do navio.

O cenário agravou-se com a retirada "a conta-gotas" de nove pessoas esta quinta-feira à tarde e de outras quatro na madrugada de sexta-feira, devido a sofrimento psicológico extremo. Apesar da esperança que trazem estas retiradas, também acarretam frustração, porque quem fica não sabe quanto mais tempo irá passar até que o barco seja autorizado a aportar na costa italiana.

Durante a madrugada, as autoridades italianas retiraram três pessoas que precisavam de cuidados médicos urgentes e cada uma delas saiu com um acompanhante. Um dos doentes está com uma infeção no ouvido e outro apresenta complicações numa ferida antiga e mal curada num dos pés, causada por arma de fogo.

Marc Reig, o capitão do navio, diz que a situação é má e que se agrava a cada hora que passa sem que os imigrantes possam pisar terra firme. "A cada segundo que passa, o cronómetro da bomba-relógio avança um segundo. Ou alguém corta o fio vermelho e desativa esta bomba já, ou o Open Arms vai explodir", alertou, em declarações à TVE.

Foi também conhecido - através da agência de notícias italiana Ansa - parte de um relatório dos médicos do Corpo Italiano de Socorro da Ordem de Malta que estiveram a bordo do Open Arms.

Segundo o documento, a situação a bordo é "péssima" e não há espaço para tantos passageiros. "Os náufragos vivem em espaços sobrelotados, uns em cima dos outros, não têm como se movimentar. Só existem duas casas de banho e com muitas vezes os imigrantes são obrigados a fazer as suas necessidades fisiológicas no mesmo espaço em que dormem e comem", lê-se no relatório.

ONG pede entrada imediata no porto. "Emergência humanitária", alerta

Durante os 14 dias que o navio ficou em alto-mar, muitos tiveram de dormir amontoados no centro da ponte do navio para não se molharem durante o temporal.

O psicólogo a bordo do Open Arms diz também que o medo é outro elemento que deve ser considerado para a situação de emergência. Muitos dos imigrantes não sabem nadar e têm medo da água. "Para eles, o mar é como um monstro", alertou.

O presidente da câmara de Lampedusa, Salvatore Martello, do Partido Democrata (PD), disse não existir "nenhuma justificação" para o bloqueio imposto ao Open Arms por determinação do vice-presidente e ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini.

"As evacuações a conta-gotas são ridículas", apontou Martello, pedindo que seja cumprida a lei do mar, que deveria ser "sagrada" numa ilha de pescadores como Lampedusa.

"Quem conhece e trabalha no mar sabe que é preciso socorrer quem está em apuros, sem perguntar a nacionalidade e independentemente da cor da pele. O que está a acontecer em terra é um problema de desencontro político", afirmou.

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