Salvini vs. Open Arms. Portugal disponível para receber 10 dos 147 migrantes a bordo

Tribunal de Roma suspendeu decreto do ministro do Interior e permitiu que navio humanitário entrasse em águas italianas, mas este assinou outro que o proíbe de atracar. Primeiro-ministro italiano atacou Salvini.
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O navio Open Arms está em águas italianas à vista de Lampedusa, mas o braço de ferro entre o ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, e a organização não governamental espanhola faz com que os 147 migrantes a bordo, que foram resgatados no Mediterrâneo e aguardam uma solução há duas semanas, não tenham ainda desembarcado na ilha.

Segundo o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, Portugal está entre os países europeus disponíveis para receber os migrantes. Os outros são a França, Alemanha, Roménia, Espanha e o Luxemburgo.

O Ministério da Administração Interna confirmou, em comunicado, que Portugal está disponível para receber até 10 migrantes, "num gesto de solidariedade humanitária e de desejo comum de fornecer soluções europeias para a questão da migração e das tragédias humanas que se verificam no Mediterrâneo".

Salvini vs. Open Arms

Os 147 migrantes a bordo têm estado num limbo desde que o navio os recolheu no Mediterrâneo no início de agosto e Salvini -- que tem assumido uma linha dura contra os migrantes e refugiados desde que chegou ao governo em junho de 2018 -- recusou o seu desembarque. Malta fez o mesmo.

Mas, na quarta-feira, a justiça italiana autorizou o navio a aportar em Lampedusa, suspendendo um decreto de Salvini, que proibia a embarcação de entrar em águas italianas.

"Vejam em que país estranho vivemos -- um juiz de um tribunal administrativo da região de Lazio quer dar luz verde a um navio estrangeiro cheio de migrantes para desembarcar em Itália. Nas próximas horas vou assinar novamente um decreto com o meu 'não' porque não quero ser cúmplice de traficantes de seres humanos", indicou Salvini ainda na quarta-feira.

"Continuo e continuarei a negar o desembarque a quem pretende trazer sempre clandestinos para Itália. A Open Arms, navio espanhol de uma organização espanhola, estava em águas maltesas e não entendo porque um juiz italiano pode permitir o ingresso nas nossas águas", referiu Salvini após a decisão.

Salvini assinou na madrugada desta quinta-feira um novo decreto para voltar a barrar o navio, mas a ministra da Defesa, Elisabetta Trenta, recusou assiná-lo e defende a entrada do navio "por humanidade", num sinal das crescentes divisões entre os parceiros de coligação em Itália, a Liga (extrema-direita) de Salvini e o Movimento 5 Estrelas (antissistema).

"Tomei essa decisão motivada por sólidas razões legais, ouvindo a minha consciência. Não devemos esquecer nunca que, atrás de todas as polémicas dos últimos dias, existem crianças e jovens que sofreram violências e abusos de todo o tipo. A política não pode jamais perder a humanidade. Por isso, não assinei", disse a ministra.

Críticas do primeiro-ministro

Numa carta aberta nas redes sociais, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, criticou Salvini, nomeadamente por as comunicação oficial entre o seu gabinete e o Ministério do Interior andar pelos jornais italianos de forma que considera ter sido deturpada.

"Entendo a sua concentração obsessiva em abordar a questão da imigração, reduzindo-a à fórmula de 'portos fechados'. Você é um líder político e está a esforçar-se legitimamente para aumentar constantemente o seu apoio. Mas falar como Ministro do Interior e alterar uma posição clara do seu primeiro-ministro, escrita a preto e branco, é uma questão diferente", lê-se na missiva partilhada por Conte no Facebook.

O primeiro-ministro alega que disse a Salvini que tinha que empreender, em conformidade com a legislação vigente, medidas necessárias para assegurar a proteção dos menores a bordo do navio, sendo que o ministro resumiu essa posição como se Conte tivesse dado luz verde ao desembarque dos migrantes. Chefe do governo diz que sempre defendeu que o tema da imigração é "complexo" e que deve ser abordado numa política geral, de âmbito europeu.

Na carta aberta, Conte revela que França, Alemanha, Roménia, Portugal, Espanha e Luxemburgo o informaram da disponibilidade de receber os migrantes. "Mais uma vez, os meus homólogos europeus estenderam-nos a mão", escreve.

Mas não poupa as críticas a Salvini. "Estamos a chegar ao fim da nossa experiência de governo. Trabalhámos lado a lado durante muitos meses e sempre tentámos transmitir-lhe os valores da dignidade do nosso papel e a sensibilidade para as instituições que representamos. O seu entusiasmo político e ansiedade de comunicar, contudo, levou muitas vezes a que houvesse 'sobreposições institucionais' que se tornaram em 'brechas institucionais'", indicou.

"Por estas razões, vi-me forçado a intervir várias vezes -- na maioria das quais em privado -- não por causa da ansiedade de me opor politicamente às tuas iniciativas, mas por causa da necessidade de reivindicar a aplicação do princípio da 'cooperação leal', fundamental para o bom funcionamento das instituições públicas", refere Conte, que acaba: "Tem por diante uma longa carreira política. Muitos associação isso ao poder. Eu associo-o a uma enorme responsabilidade".

Resposta de Salvini

O ministro do Interior já respondeu ao primeiro-ministro, numa conferência de imprensa em Castel Volturno, onde presidiu a uma reunião do Comité da Ordem e Segurança. "[Conte] acusa-me de obsessão com [a política de] portas fechadas. Confirmo: tenho a obsessão pela segurança dos cidadãos. Se prefere um ministro do Partido Democrata e um regresso aos 200 mil desembarques que o diga", afirmou.

"Não me pagam para ser uma boa alma, mas para defender a segurança", acrescentou Salvini.

Além do Open Arms há um outro navio, o Ocean Viking, operado pelas organizações Médicos Sem Fronteiras e SOS Mediterranée, que aguarda, com 356 migrantes a bordo, autorização para aportar.

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