Só há duas mulheres no G20 e não se avistam muitas mais
Para percebermos que mulheres nos mais altos cargos da política mundial ainda são uma exceção, basta olhar para as fotografias de família de qualquer cimeira de chefes de Estado e de governo. Seja da União Europeia, da ASEAN ou do G7, ainda são os fatos e gravatas a dominar com uma ou outra mulher a dar um toque de cor - se não tiverem optado vestir-se de preto. O G20, o grupo das 19 maiores economias mundiais mais a UE, não é exceção. Se em 2013 foram quatro as líderes a participar na cimeira de São Petersburgo - a alemã Angela Mer-kel, a brasileira Dilma Rousseff, a sul-coreana Park Geun-hye e a argentina Cristina Kirchner -, esse número baixou para três em setembro de 2016 (a Merkel e a Park Geun-hye juntou-se Theresa May, a primeira-ministra britânica), na última cimeira realizada em Hangzhou, China. E destas, só Merkel (como anfitriã) e May estarão no encontro deste ano, marcado para julho em Hamburgo, já que Park está neste momento suspensa de funções, alvo de um processo de destituição que dá poucas esperanças de a ver reaparecer na foto de família.
Este cenário hipermasculino tem poucas hipóteses de vir a mudar nos próximos tempos. A própria Merkel, a única líder a ter feito o pleno das cimeiras de chefes de Estado e de governo do G20, desde a primeira, em 2008, com eleições marcadas para 24 de setembro na Alemanha, pode ter aqui a sua última participação. É que se Frauke Petry, a líder da Alternativa para a Alemanha (AfD, de extrema-direita), tem sido a grande surpresa da (pré)campanha, se os cristãos democratas da CDU de Merkel perderem as eleições, será um homem a ocupar a chancelaria, com o social-democrata Martin Schulz a encabeçar um governo de esquerda.
Depois de Hillary Clinton perder as presidenciais americanas de 8 de novembro de 2016 para Donald Trump, a esperança de ver 2017 tornar-se o ano das mulheres sofreu um duro golpe.
E se em França Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional, de extrema-direita, até aparece como vencedora da primeira volta das presidenciais, mesmo se na segunda volta perde para qualquer dos principais adversários, nos restantes membros do G20, é mais difícil encontrar candidatas com verdadeiras hipóteses de chegar ao poder.
É preciso não esquecer que neste clube dos poderosos se encontra uma Arábia Saudita onde as mulheres nem sequer podem conduzir e só agora tiveram um direito parcial de voto. Mas mesmo em países como a China ou a Rússia, não há qualquer mulher em posição de disputar a liderança. O politburo do Partido Comunista chinês até inclui duas mulheres - Sun Chunlan e Liu Yandong - pela primeira vez desde 1973, mas nenhuma delas está na linha de sucessão ao presidente Xi Jinping. E na Rússia, país que já teve quatro czarinas a governá-lo, a alternância de Vladimir Putin e Dmitri Medvedev nos cargos de presidente e primeiro-ministro não deixa espaço para elementos femininos.
É verdade que há neste momento seis primeiras-ministras - sem contar com Aung San Suu Kyi, a Nobel da Paz birmanesa que ocupa o cargo de conselheira de Estado, uma espécie de chefe do governo, uma vez que a presidência lhe está vedada pela Constituição por ter sido casada com um estrangeiro. E há ainda uma dezena de mulheres chefes de Estado, de Ellen Sirleaf Johnson na Libéria a Michelle Bachelet no Chile, passando por Kolinda Grabar Kitarovic na Croácia, Tsai Ing-wen em Taiwan ou Bidhya Devi Bhandari no Nepal. Isto além de rainhas, como a veterana Isabel II em Inglaterra ou Margarida da Dinamarca.
Porque há tão poucas mulheres na alta política mundial? Para Laura Liswood, é simples: "O arquétipo do que deve ser um líder mundial, ainda é masculino, o que torna mais difícil para as mulheres quebrar esta ideia." Para a secretária-geral do Conselho das Mulheres Líderes Mundiais, "os homens são vistos como líderes até provarem o contrário. As mulheres são vistas como não líderes até provarem o contrário".
Autora do livro Mulheres Líderes Mundiais: grandes políticas contam as suas histórias, Liswood falou com 15 presidentes e primeiras-ministras em 1996, da britânica Margaret Thatcher à irlandesa Mary Robinson, mas também Violeta Chamorro da Nicarágua ou Hanna Suchocka da Polónia. Hoje recorda ao DN como "muitas delas me disseram sentirem-se escrutinadas na sua forma de vestir, no seu estilo, na maneira de falar, no cabelo e de como a tolerância quando cometiam erros era muito menor do que quando eram os homens a errar". Uma diferença que só uma "grande paixão"pela política podia ultrapassar.
Como americana, Liswood seguiu com atenção a campanha de Hillary Clinton. E está convencida de que apesar da derrota da ex-primeira-dama face a Trump, "os EUA podem eleger uma mulher presidente na próxima década". E apesar dos nomes da senadora Elizabeth Warren ou da senadora Kampala Harris surgirem em todas as listas e candidatas às próximas presidenciais, a advogada e conselheira do banco de investimento Goldman Sachs está convencida de que 2020 ainda é cedo para ver uma mulher na Casa Branca. "O maior desafio é que é preciso ter várias mulheres a concorrer em cada um dos partidos. Quando isso acontecer, a imprensa deixará de escrutinar o indivíduo e começará a olhar mais para as políticas e posições de cada líder".
Mesmo olhando para o passado, são poucos os países do G 20 que já foram liderados por mulheres. É verdade que a Argentina teve Isabel Perón, além de Kirchner, mas ambas sucederam ao marido, mesmo se a segunda foi eleita nas urnas, que o Reino Unido teve Thatcher, que Kim Campbell foi primeira-ministra do Canadá. A Índia teve Indira Gandhi como primeira-ministra duas vezes e Megawati Sukarnoputri foi presidente da Indonésia - ambas representantes de dinastias políticas. Mas hoje são poucas as mulheres que surgem no horizonte político das maiores economias mundiais. Mesmo se Marina Silva é uma eterna candidata a presidente do Brasil. Ou se Yuriko Koike, a primeira presidente da Câmara de Tóquio, é a estrela em ascensão da política japonesa.
Um dos grandes desafios para as mulheres, na política como noutras áreas, é conciliar a vida familiar com a carreira. "As mulheres fazem uma quantidade desproporcionada de trabalho em casa, além do trabalho nas suas carreiras", admite Laura Liswood. Uma opinião partilhada pela historiadora francesa Éliane Viennot, segundo a qual "as tarefas domésticas ainda são função da mulher em 80%". Uma questão cultural, garante a professora de Literatura e História Medieval no instituto universitário de França. "Há quatro ou cinco séculos que centenas de livros defendem a tese da incapacidade ou nocividade das mulheres na política", explica Viennot ao DN. Para a historiadora, "é uma questão de poder. Quanto mais as mulheres ocuparem os seus lugares, menos ficarão para os homens". Uma realidade a que a alta política não escapa.