Sharif e Modi: um abraço e um chá entre irmãos-inimigos

Chefe do governo paquistanês recebeu primeiro-ministro indiano em Lahore no dia do 66.º aniversário e do casamento da neta.
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Logo pela manhã, Narendra Modi ligou a Nawaz Sharif para lhe dar os parabéns. O que o primeiro-ministro paquistanês, que ontem celebrou 66 anos, não esperava era que o homólogo indiano lhe perguntasse se podia "passar aí" no regresso a casa. Sharif não se fez rogado e respondeu: "Venha, é nosso convidado. Vamos tomar um chá!" E assim foi. Na primeira visita de um líder indiano ao Paquistão em 11 anos, Sharif foi ao aeroporto de Lahore receber Modi com um abraço - num gesto de aproximação que dá nova esperança às negociações entre uns vizinhos que já protagonizaram três guerras e ambos possuem a bomba nuclear.

"Cá estou!", terá exclamado Modi à chegada a Lahore, de onde os dois líderes seguiram para a casa da família Sharif, nos arredores. Aí, a festa aguardava-os, com a casa cheia de luzes. Não só era o dia de aniversário do primeiro-ministro paquistanês - nascido a 25 de dezembro, tal como Muhammad Ali Jinnah, o pai fundador do Paquistão -, mas também o dia do casamento da sua neta, Meherun Nisa.

Os dois homens conversaram durante 90 minutos e partilharam uma refeição, antes de Modi voltar a casa. "Entre as decisões tomadas está o reforço das relações entre os dois países, bem como dos contactos pessoais entre [indianos e paquistaneses], de forma a criar uma atmosfera em que o processo de paz possa avançar", explicou aos jornalistas o ministro dos Negócios Estrangeiros paquistanês, Aizaz Chaudhry.

Modi, que regressava de uma visita à Rússia, já tinha antes feito uma paragem no Afeganistão, onde se reuniu com o presidente, Ashraf Ghani, e onde inaugurara o novo edifício do Parlamento em Cabul, construído com ajuda da Índia. E segundo o conselheiro para a segurança nacional Ajit Doval, a visita ao Paquistão foi uma decisão espontânea do primeiro-ministro indiano, que não deve ser vista como uma mudança na posição da Índia em relação ao vizinho muçulmano. Mas um colaborador próximo de Modi admitiu à Reuters que "sim, é um sinal claro que a aproximação pode fazer-se rapidamente".

De ambos os lados da fronteira, não faltaram críticas à visita de Modi ao Paquistão. Apesar de o primeiro-ministro indiano ter convidado Sharif para a sua posse, em maio de 2014, e de os dois homens se terem encontrado à margem da Conferência do Clima, no último dia de novembro, em Paris, a ida de um líder indiano ao Paquistão foi considerada "ridícula" pelo Partido do Congresso (liderado por Sonia Gandhi), que os nacionalistas hindus de Modi afastaram do poder no ano passado. E no Twitter, não faltaram paquistaneses a lembrar que o primeiro-ministro indiano não é bem-vindo naquele país.

Tensões e desconfiança

Nascidos ambos em 1947 da Índia britânica, Índia (de maioria hindu) e Paquistão (criado como pátria para os muçulmanos) já se confrontaram três vezes desde a independência, duas delas por causa de Caxemira. Desde 2003, vigora um cessar-fogo, mas os dois lados costumam denunciar violações.

Mas este não é o único foco de tensões entre as duas potências nucleares. Nos últimos anos, a desconfiança aumentou. Sobretudo desde os ataques terroristas de 2008 que mataram 166 pessoas em Bombaim e que foram atribuídos a militantes treinados no Paquistão. Desde que chegou ao poder, Modi deu ordens às forças de segurança para retaliarem a ataques vindos do outro lado da fronteira. Em agosto, as negociações de paz entre os irmãos-inimigos foram canceladas, após violações do cessar-fogo.

Com a visita de ontem, longe parecem os tempos em que Modi criticava o Congresso por receber o líder paquistanês após a decapitação de um soldado indiano na fronteira. Falta saber se os militares não estragam esta lua-de-mel com Islamabad. Como escrevia o Times of India: "Demasiados esforços de paz falharam porque o exército paquistanês foi ignorado".

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