Selva de Calais recebe 80 migrantes/dia e cidade não aguenta mais

Camionistas, agricultores, residentes e turistas em protesto inédito para exigir desmantelamento final do maior campo de refugiados de França.
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Uns estão cansados das travagens no acesso ao Túnel da Mancha para não atropelar um refugiado, do receio de serem agredidos, de lhes entrarem no reboque do camião e estragarem a mercadoria. Outros não querem mais ver os seus campos pilhados ou vandalizados pelos migrantes. E enquanto uns não querem mais viagens interrompidas porque alguém invadiu os túneis do Eurostar, outros não querem mais estranhos a pôr em causa a segurança da sua cidade. Ontem camionistas, agricultores, turistas e residentes juntaram-se num protesto inédito para exigir o encerramento imediato e total da Selva de Calais, o campo de refugiados daquela cidade e o maior de França.

Ao fim do dia, os manifestantes levantaram os bloqueios após uma reunião com as autoridades em que obtiveram garantias de que o campo A Selva será desmantelada de forma muito rápida. Apesar de não ter sido avançada uma data. Entretanto, o campo continua a receber 40 a 80 migrantes por dia.

Foi debaixo de uma chuva miudinha que logo às 7:30 as duas colunas de 40 camiões cada e seis dezenas de tratores partiram em direção à A16 , uma das autoestradas mais frequentadas pelos transportadores europeus que levam mercadorias para Inglaterra. Ali juntaram-se às "700 a mil pessoas" que, segundo a polícia protagonizaram um cordão humano, muitas usando T-shirts brancas com a mensagem I love Calais. Até ao final da tarde o protesto decorria sem grandes incidentes, mas os manifestantes prometiam ficar no local toda a noite e até vários dias, se as suas exigências não obtivessem resposta.

E o que eles exigem é que depois de em março terem arrasado a metade sul da Selva de Calais, as autoridades francesas desmantelem agora a metade norte. O facto de ter perdido metade da sua área útil não significa que o campo de refugiados - cujos habitantes são sobretudo afegãos, sírios, iraquianos, mas também originários do Darfur ou da Eritreia - tenha perdido poder de atração. Dependendo das fontes, vivem ali hoje entre 7000 (números da polícia) e dez mil (segundo as associações de apoio) refugiados e requerentes de asilo. A maior parte espera apenas a oportunidade para atravessar o Canal da Mancha e procurar uma vida melhor em Inglaterra. Até lá vivem em tendas e contentores sem condições, numa verdadeira cidade com as suas próprias lojas, cabeleireiros ou bares. Mas onde a violência é frequente.

"Depois de termos usado o método suave e só termos conseguido promessas do Estado que não quer mudar nada e favorece os migrantes em detrimento dos comerciantes, trabalhadores portuários, dos camionistas, dos turistas e dos agricultores, decidimos mudar de método", explicou ao Le Figaro Frédéric Van Gansbeke, presidente do coletivo de empresários e comerciantes de Calais. Para os manifestantes, não há dúvida: o campo de refugiados está a prejudicar a economia local e tem de desaparecer de imediato. E nem as promessas do ministro do Interior, Bernard Cazeneune, que na sexta-feira esteve em Calais para anunciar a continuação do desmantelamento da Selva, parecem acalmar o descontentamento.

À cabeça da manifestação chegou a estar a presidente da Câmara de Calais, Natacha Bouchard, segundo a qual "se aceitarmos esta situação não vamos ter seis mil migrantes, vamos ter 15 mil". A autarca, d"Os Republicanos (antiga UMP, direita) juntou-se ao protesto por partilhar "o sofrimento" dos munícipes. No fim de semana, Bouchard admitira ia provocar "o caos" para os viajantes britânicos.

Os habitantes de Calais saíram agora às ruas contra a presença dos refugiados, mas em dezembro já tinham manifestado o seu descontentamento nas urnas, ao darem mais de 40% dos votos à Frente Nacional (extrema-direita liderada por Marine Le Pen) na segunda volta das eleições regionais.

Com 40 a 80 novos migrantes a chegar todos os dias à Selva (nos últimos três meses, a população duplicou), o governo francês optou por duas vias diferentes para esvaziar o campo. A primeira passa por convencer os migrantes a sair para outros campos com melhores condições em França e a pedir asilo naquele país em vez de insistirem em tentar chegar ao Reino Unido, mesmo arriscando a própria vida. Entretanto, houve 60 crianças que se juntaram aos familiares do outro lado da Mancha. A segunda via consiste em destruir as tendas e outros abrigos em que vivem, como fizeram em março, quando os bulldozers arrasaram a zona sul do campo. Até agora nenhuma das duas resultou.

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