34 anos depois, já sabemos quem matou Olof Palme. Mas vai ficar impune

Esta quarta-feira de manhã, as autoridades suecas anunciaram o nome do homem que terá matado o primeiro-ministro naquela noite de 28 de fevereiro de 1986. O suspeito matou-se em 2000.
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Na rua mais movimentada de Estocolmo, Sveavägen, Olof e Lisbet Palme regressam a casa a pé, a caminho do metro. Para trás ficaram o filho e a namorada e uma sessão de cinema não planeada, razão pela qual havia dispensado os guarda-costas. Às 23.21 de 28 de fevereiro de 1986, o primeiro-ministro é atingido mortalmente com um tiro pelas costas, a curta distância. A mulher também, mas o ferimento não se revela fatal.

A caça ao homem que matou um dos mais importantes políticos do século XX, deixando-o a morrer numa poça de sangue com a mulher ao lado em estado de choque começou apenas quatro minutos depois. Mas foi preciso esperar mais de três décadas para a polícia sueca anunciar o nome do culpado: Stig Engstrom.

Conhecido como Skandia Man, por trabalhar para a companhia de seguros Skandia, o homem matou-se em 2000, ficando assim impune pelo crime que cometeu.

"A pessoa é Stig Engstrom", anunciou o procurador Krister Petersson, pondo fim a uma investigação que levou as autoridades suecas a interrogar milhares de pessoas, tendo chegado a acusar um pequeno criminoso pelo crime, apenas para depois o ilibar. "Uma vez que o culpado está morto, não posso apresentar queixa contra ele e vamos suspender a investigação", afirmou Petersson.

Engstrom não entrou logo na lista de suspeitos, apesar de estar no local do crime na altura, mas uma nova investigação descobriu que tinha treino para usar armas, fora militar e pertencia a um clube de tiro. O procurador anunciou ainda que, além de viver numa zona onde as políticas socialistas de Palme não era apreciadas, Engstrom se debatia com problemas financeiros e de alcoolismo.

Petersson assumiu a investigação em 2017 de um processo que ocupam 250 metros de espaço de prateleiras.

Apesar de ter sido uma das 20 pessoas que testemunharam o homicídio de Palme, Engstrom começou por não ser considerado suspeito. Só 18 anos depois de se ter suicidado é que o agente de seguros passou a estar na mira do jornalista de investigação Thomas Petersson, convencido que Engstrom agira por discordar das ideias de esquerda do primeiro-ministro.

Engstrom, veio a saber-se, mentiu sobre os seus atos depois do crime, tendo chegado a afirmar que tentara reanimar Palme. Interrogada pela polícia em 2017, a sua ex-mulher afirmou no ano seguinte ao jornal Expressen que nunca suspeitara do marido: "Ele era demasiado cobarde. Não faria mal nem a uma mosca".

Social-democracia fechada a sete chaves

O mundo deu muitas voltas desde aquerla noite de 1986: tal como em Portugal o socialismo foi metido na gaveta por Mário Soares, a Suécia fechou a social-democracia de Palme a sete chaves. Mas o mistério sobre o autor do crime e as suas intenções continuaram desde então a exercer uma obsessão junto de muitas pessoas, para não dizer do país. Ao ponto de ter sido cunhada a expressão Palmes sjukdom, a doença de Palme.

Se é um facto que a polícia chegou ao local do crime em poucos minutos, desde então uma palavra pode resumir o que sucedeu: falhanço.

Num primeiro momento os agentes não isolaram devidamente o local do crime, tendo permitido a passagem do cordão policial para cidadãos depositarem flores, o que danificou a área de investigação. As testemunhas conseguiram deixar o local antes de serem interrogadas. Uma das balas só foi descoberta dias depois por um transeunte.

Além disso, bloquearam uma área demasiado pequena do centro da capital nas horas que se seguiram à fuga do assassino.

Depois, das 25 pessoas que testemunharam o crime ou o criminoso em fuga nada saiu de suficientemente válido para identificar o autor, sabendo-se que a maioria descreveu-o como um homem de 1,8 m e com uma idade entre 30 e 50 anos.

A polícia, ao fim de 34 anos, ouviu mais de 10 mil pessoas, tendo sido reportado que para cima de 130 pessoas reivindicaram a responsabilidade pelo homicídio. Porém, após duas detenções (uma delas com condenação), não há uma suspeita formal.

Pouco tempo após o crime, os investigadores iriam prender Victor Gunnarsson, um militante de várias organizações de extrema-direita. No entanto, Gunnarsson acabou por ser libertado, sem acusações, por falta de provas.

Quase três anos depois, um outro suspeito foi detido, Christer Pettersson, que já tinha cumprido pena de prisão por homicídio involuntário (com uma baioneta). Além de ter ligações a traficantes de droga, Lesbit Palme, iria identificá-lo.

Pettersson foi condenado a prisão perpétua, mas em 1989 o recurso para a segunda instância foi aceite e a condenação anulada.

A polícia foi criticada pela forma como foi organizada a composição da fila de identificação de suspeitos, pelo que ficaram dúvidas quanto à fiabilidade da identificação de Lisbet Palme. A investigação não conseguiu também encontrar a arma do crime nem relacionar o condenado a um motivo para Pettersson ter perpetrado o crime.

Pettersson, que morreu em liberdade em 2004, continuou a ser suspeito. Dois anos após a sua morte, um documentário transmitido pelo canal SVT iria confirmar as suspeitas. Segundo companheiros de Pettersson do mundo do crime, este teria afirmado que foi quem disparou sobre Olof Palme. No entanto, o primeiro-ministro não era o alvo. A fazer fé nesta versão dos acontecimentos, Pettersson tinha ido para aquela zona de Estocolmo para matar um traficante de drogas com traços físicos semelhantes.

Curdos, jugoslavos, CIA...

Ao longo dos anos, os investigadores suspeitaram do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), dos militares e da polícia suecos e dos serviços secretos sul-africanos, entre outros.

Os curdos foram rapidamente tornados suspeitos do crime. O primeiro investigador do caso persistiu na ideia de que o PKK, recentemente declarado um grupo terrorista pelo governo de Palme, e em guerrilha contra a Turquia, tinha sido culpado, seguindo notícias oriundas de Ancara. Mas acabou por se demitir em 1987, após uma rusga a uma livraria que serviu de base à organização, da qual não obteve provas ou indícios sobre o crime.

Na mesma linha dos estados a culparem inimigos internos, uma outra teoria aponta o dedo aos serviços secretos da Jugoslávia, os quais teriam perpetrado o crime para depois manchar os independentistas croatas.

A agência de espionagem norte-americana CIA também é suspeita de ter agido, em conluio com fascistas chilenos, na eliminação de Palme, por este ter aberto as portas a quem fugiu do regime de Pinochet.

Sem teorias da conspiração, caíram também suspeitas sobre Stig Engstrom, um homem que ficou conhecido como o homem da Skandia porque trabalhava naquela empresa seguradora nas imediações do local do crime. A revista Filter publicou em 2018 uma investigação com uma dúzia de anos que concluiu ser este o autor do crime. Tinha acesso a armas, mentiu à polícia sobre as suas ações naquela noite e, além de ser do campo ideológico oposto, era suspeito de odiar Palme.

Inimigo do apartheid, combatente da corrupção

O jornalista e autor de romances policiais Stieg Larsson dedicou muitas horas a investigar o crime. Em 2013, Jan Stocklassa, antigo diplomata, começou a reunir as 20 caixas de documentação do autor de Os homens que odeiam as mulheres. O resultado está à vista em Stieg Larsson - Os Arquivos Secretos e a Sua Alucinante Caça ao Assassino de Olof Palme.

Conclui Stocklassa: "A teoria de Stieg estava correta no que respeita à participação sul-africana, bem como de um homem em Chipre e o envolvimento da extrema-direita sueca. Essa era a base da sua teoria, mas ele nunca descobriu o verdadeiro assassino e foi isso que tentei fazer."

Em março, funcionários dos serviços secretos sul-africanos reuniram-se com investigadores suecos em Pretória, tendo entregado um dossiê sobre o caso.

Há muito que se especula sobre o papel dos serviços secretos sul-africanos durante o regime do apartheid, que viam em Palme e o seu apoio ao Congresso Nacional Africano de Nelson Mandela um inimigo.

Na investigação de Stieg Larsson e de Stocklassa, há ainda "nomes portugueses" ligados a Angola e em especial à UNITA.

Para outro continente mas para negócios igualmente ilícitos aponta Jan Bondeson. A autora de Blood on the Snow: The Killing of Olof Palme acredita que os responsáveis pela morte foram intermediários envolvidos num escândalo de corrupção na compra de armamento nos anos 80.

A empresa sueca de armamento Bofors tinha um acordo para fornecer armamento à Índia, mas acabou por se revelar um dos maiores casos de corrupção em Nova Deli, onde vários intermediários foram subornados. O escândalo implicou o então primeiro-ministro Rajiv Gandhi (que também acabaria assassinado, num atentado terrorista, em 1991).

"É bem possível que Palme tenha descoberto que a empresa Bofors era corrupta no próprio dia do homicídio", afirmou. "Isso dá aos intermediários por trás do negócio dos Bofors uma forte razão para o assassinarem. Mas isso é algo que a polícia sempre ignorou", disse Bondeson à BBC.

Palme, um líder social-democrata foi uma figura de paixões e ódios. Tanto criticava Washington pela guerra no Vietname como África do Sul pelo apartheid e Espanha pelo franquismo; em sentido oposto mostrava solidariedade para com os governos comunistas em Cuba e na Nicarágua.

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