Quebra-cabeças na Bélgica com restrições aos viajantes. Portugal é visado
O fim de semana foi o primeiro teste às novas medidas do governo belga, que na quinta-feira chegou a colocar Portugal numa lista de países ou regiões para onde as viagens são "altamente desaconselhadas".
A decisão é revista regularmente, permitindo agora viagens sem restrições para a generalidade do território português. São desaconselhadas deslocações ao Alentejo e Algarve, entretanto identificados a laranja. E alguma zonas da periferia de Lisboa têm imposição de restrição máxima, como a quarentena obrigatória.
Mas, se a decisão das medidas pode ser difícil, a aplicação no terreno parece ser um quebra-cabeças ainda maior.
No caso dos portugueses, ou passageiros com origem em Lisboa, via aeroporto Humberto Delgado, foram confrontados, durante o fim de semana, com a necessidade de preencher um documento, assumindo o compromisso de um período de quarentena, independentemente de onde se tenha ficado alojado em Portugal.
Ao que o DN apurou, o formulário gerou controvérsia e alguns passageiros protestaram por este não refletir as novas decisões, já que indiscriminadamente eram obrigados a uma quarentena sem nunca terem estado nas chamadas zonas vermelhas. Alguns passageiros acabaram por entregar o documento sem estar preenchido, perante uma tripulação sem "grandes orientações para dar", por também "não estarem muito a par", apurou o DN.
Entretanto, as autoridades belgas incluíram o Alentejo e o Algarve na zona laranja, no quadro de alerta, equiparando o risco de contágio nas duas regiões de Portugal ao da cidade alpina italiana de Trento, situada junto à região que foi o epicentro da pandemia, quando em fevereiro começaram a ser detetados casos na Europa.
Para quem regressa à Bélgica vindo destas regiões, fica sujeito a um regime de "vigilância reforçada" para despistagem da Covid 19.
Quando o governo belga, na semana passada, colocou todo o território português sob um regime de alerta laranja, e Lisboa com sinal vermelho, levantou-se a dúvida se estas medidas seriam aplicadas aos eurodeputados portugueses. E mesmo no caso do primeiro-ministro, que no final desta semana se desloca a Bruxelas, para uma cimeira presencial.
O governo belga não esclarece, mas o DN apurou que o pessoal diplomático e os representantes nacionais estão dispensados de qualquer medida restritiva, quer pela natureza dos seus passaportes, como por acordos que existem entres os governos dos dois países.
Augusto Santos Silva, por exemplo, participa já hoje num conselho de Ministros de Negócios Estrangeiros. É a primeira reunião no Conselho Europeu, desde o grande confinamento.
O conselheiro da comunidade portuguesa em Bruxelas, Pedro Rupio, espera que as clarificações do governo belga sobre as recomendações aos viajantes acabem de uma vez com a confusão que diz ter-se instalado na comunidade, depois de ter sido avançado que o regresso à Bélgica podia implicar uma quarentena.
O governo belga fez uma revisão das medidas, impõe agora um regime de quarentena para as zonas da periferia de Lisboa que estão em confinamento, dispensando o resto do território.
Mas, Pedro Rupio afirma que "a incerteza" entre os emigrantes portugueses foi mais que muita, pois "as primeiras informações não eram nada positivas", e eram "pouco claras".
"Isso felizmente hoje evoluiu e agora as pessoas percebem que podem circular sem problemas. Por exemplo no centro de Lisboa, e que isso não irá obrigar a uma quarentena quando voltarem para a Bélgica. Da mesma forma que se passarem no aeroporto de Lisboa também não haverá qualquer tipo de problemas. Mas de facto nos últimos dias isto foi todo um bocado confuso para as pessoas", lamenta.
Apesar da clarificação, o conselheiro da comunidade portuguesa afirma que muitos estão agora indecisos, perante a possibilidade de revisão das medidas a meio das férias, já que a lista está constantemente a ser revista.
"A maioria gostaria de voltar a Portugal como acontece habitualmente. Mas, obviamente que algumas pessoas, por questões profissionais ou até por causa das crianças que podem não ir à escola por possível quarentena, têm receio de ir a Portugal se não houver condições para isso, porque algumas pessoas não podem faltar ao trabalho durante duas semanas", afirma.
O DN esteve no aeroporto de Bruxelas, para tentar perceber como são aplicadas as medidas e conversou com passageiros, de diferentes origens. Alguns passaram por um controlo mais apertado, e medidas mais restritivas, incluindo com quarentena em duplicado, no caso de um passageiro com origem no Catar.
Mas, também aqueles que passaram sem que se apercebessem de qualquer medida, apesar da origem do voo ser um país que o governo belga considera de risco.
Um dos passageiros afirma que saiu do aeroporto, em Bruxelas, sem que lhe tenha sido transmitida qualquer medida de prevenção ou aviso. "Nada", afirmou, apesar de estar a regressar à Bélgica, vindo de um país identificado na zona laranja, para o qual "as viagens são possíveis, sob reserva de quarentena, teste ou outras condições", como é o caso da Dinamarca.
No embarque em Copenhaga, "sim", este passageiro passou por um controlo "muito apertado", tendo sido necessário preencher "papeis com questionários, havia polícia, controlos, [e] foi duro", confessou.
"É possível viajar para a Dinamarca", desde que o se "prove a residência na Bélgica, (...) e se prove uma estadia mínima de seis noites no país", aponta o boletim do governo.
Outro passageiro estava a acabar de regressar "de Espanha", mais concretamente "de Bilbao". De acordo com o critério de cores do governo belga, não deveria de haver qualquer medida restritiva para este voo, mas o passageiro foi, porém, confrontado com a necessidade de preencher um documento que o obriga a fazer quarentena.
"Eles fizeram-me assinar um formulário, em que eu me comprometi a fazer uma quarentena, assim que chegasse a Bruxelas", afirmou, garantido que "sim, claro", pretende respeitar o compromisso, durante "duas semanas", apesar de Bilbao não fazer parte das três zonas para as quais são há restrições.
"Seja como for, não quero saber", atirou uma passageira que estava a viajar de Toulouse, França, quando questionada sobre se lhe tinha sido transmitida alguma informação, apesar de não haver qualquer limitação nas deslocações para a Bélgica.
"Refere-se à Covid?", questionou, insistindo que "não quer saber". Na resposta em inglês, justifica que "temos de morrer um dia", fazendo lembrar uma das afirmações polémicas do presidente do Brasil.
A propósito, "o número de aeroportos e voos programados para voar do Brasil para a Europa permanece limitado", refere o site do MNE belga, sendo, "no entanto, possível viajar de qualquer aeroporto do Brasil via São Paulo e Rio de Janeiro para a Europa".
No aeroporto de Bruxelas, há um passageiro que se destaca, do lado de fora do edifício, - o único local até onde é possível ir, para quem aguarda familiares. Vindo do Qatar, este passageiro sobressai entre os restantes, pelo equipamento de proteção individual de que é portador.
"Foi a companhia aérea que nos deu a máscara, viseira, luvas e desinfectante de mãos", afirma ao DN, avançando que já fez "15 dias de quarentena" em Doha, capital do Qatar, antes de poder embarcar para a Europa. Apesar de trazer consigo um atestado, que exibe numa aplicação de telemóvel, através de um QR Code (código de barras de leitura rápida) de cor verde, que certifica a sua negatividade à Covid 19, este passageiro prepara-se agora para cumprir uma nova quarentena de "duas semanas" na Bélgica.
"A partir de 1º de agosto, os residentes com cartão de identidade/autorização de residência no Qatar poderão regressar ao país, mediante aprovação prévia das autoridades competentes no Qatar", aponta o site do MNE belga, salientando que a estratégia do país impõe "quarentena por 14 dias", com um aviso "importante: esta quarentena não é autorizada em casa, mas obrigatória num hotel e às custas", do próprio viajante. Todos os outros passageiros "estão actualmente impedidos de entrar no Qatar".
A Bélgica regista há alguns dias um ligeiro aumento no cálculo do número de infeções, que é publicado através de um algoritmo que apresenta a média dos sete dias anteriores, não permitindo a identificação direta do número de casos diários.
A média publicada ontem apontava para 137 casos, representando um aumento de 2%, relativamente aos dias anteriores. Mas, é em sobre o número de mortes que as autoridades belgas lutam por mudar a perceção que se instalou na opinião pública.
Uma das nove ministras da saúde do governo belga assinou ontem um breve artigo de opinião, no site Politico, em que acusa a "imprensa internacional de ter entendido mal a Bélgica e o coronavírus".
Com 62606 infeções registadas, e 9782 mortes, o país regista oficialmente 889 mortes por milhão de habitantes.