"Quando mataram o meu irmão houve quem deixasse de nos falar"
Tem 44 anos, é do PP e presidente da Fundação das Vítimas do Terrorismo. María del Mar Blanco, irmã de Miguel Ángel Blanco, vereador morto pela ETA em 1997, comenta ao DN o anúncio da dissolução da organização terrorista basca, hoje certificada em Cambo-les-Bains por figuras internacionais.
Considera que estamos perante um verdadeiro fim da ETA?
É para mim muito difícil dar credibilidade às palavras de uma organização terrorista. Cada comunicado é um fingimento. A suposta entrega das armas foi um ato de propaganda e o comunicado onde falava de perdão indignou as vítimas. Mas é evidente que estamos perante mais um passo de uma morte anunciada, de uma derrota pela firmeza do nosso Estado de direito.
O que espera do evento de hoje em Cambo-les-Bains?
Será mais um ato de propaganda. E o que as vítimas têm de fazer é, como sempre fizeram, continuar a reclamar um pedido de perdão, porque até agora não chegou. Também queremos colaboração com a justiça, porque ainda existem mais de 300 crimes da ETA que até hoje não foram resolvidos porque não se conhece quem foram os autores. Alguns crimes prescreveram mas a família tem direito a conhecer a verdade, a pôr nome e rosto nos assassinos dos seus familiares. Há muitos delitos que não prescreveram e a justiça deve continuar a resolvê-los. E vamos manter a mesma mensagem: não haverá impunidade. Vamos continuar com o nosso nível de exigência, independentemente do que faça a ETA.
Ficou indignada com o tipo de pedido de perdão que fizeram há pouco tempo os etarras, apenas às vítimas não envolvidas no conflito?
Efetivamente, porque nos seus comunicados continuam a falar de conflito. Dizem que o final da organização não significa o final dos conflitos. Continuam com as mesmas ideias. O meu irmão, por ser vereador do Partido Popular, por acreditar na liberdade, na convivência e no Estado de direito, foi uma vítima culpada, do ponto de vista deles. Ficamos mais indignados com essas palavras. Cada vítima foi uma pessoa inocente. E repito, enquanto eles não reconhecerem o dano causado e não colaborarem com a justiça, vamos manter o nosso nível de exigência.
É possível a paz no País Basco?
Neste momento, antes de paz temos de falar de convivência. Quero que me deixem ser como sou, defender as minhas ideias em liberdade e passear pelas ruas do País Basco sem sentir o ódio. Nalguns lugares bascos e navarros a convivência ainda está baseada no ódio. Sente-se o ódio daqueles que provocaram tanto sofrimento a uma grande parte da sociedade basca e espanhola.
A sociedade basca continua então a estar dividida?
Não existe a mesma divisão que existia quando a ETA matava mas não podemos negar a evidência. Há um longo percurso pela frente para chegar até ao respeito e à tolerância.
Houve muitas famílias e grupos de amigos que se dividiram?
Sim. Muitas famílias em que, por se pensar de forma diferente, as pessoas deixaram de se falar e de se ver. E muitos grupos de amigos já não estão juntos. Quando assassinaram o meu irmão houve pessoas (vizinhos e conhecidos) que deixaram de nos falar porque éramos uma família com pensamento constitucionalista. Com o tempo tudo se recompõe, mas há muito por fazer. Por isso é tão importante acabar com o ódio entre muitos jovens que não viveram a época mais dura do terrorismo. Fico preocupada ao pensar que vão ser educados no ódio. É muito importante o que está a fazer o governo de Espanha: levar às aulas a história do terrorismo para que todos saibam o que aconteceu durante mais de 50 anos, que saibam quem era a ETA e que fez sofrer muitas famílias. Que os jovens saibam que os assassinos não são heróis, que os nossos familiares foram assassinados sendo pessoas inocentes, sem serem culpados de nada.
Quem acabou com a ETA?
Todos. O Estado de direito que aglutina a sociedade basca, a sociedade espanhola, os juízes, procuradores... Isto foi uma vitória de todos os espanhóis, do Estado de direito face a uma ETA totalmente derrotada sem conseguir nada daquilo por que lutava e causou tanta dor e sofrimento. Matava por um Euskadi independente e Euskadi continua parte de Espanha. Enquanto matava não conseguiu nada, e agora, sem as armas, ainda menos. Nada devemos à ETA, nada vamos dar à ETA.
É o fim que queriam?
Não. Queríamos um fim com o reconhecimento do dano causado. Dizem que põem fim à atividade política... eles não fizeram política, assassinaram. Esperávamos esse reconhecimento da atividade terrorista, pedido de perdão e colaboração com a justiça.
O Foro Social e ex-deputados bascos pedem a concentração dos presos. As vítimas estão contra esta proposta?
Como presidente da Fundação das Vítimas do Terrorismo, posso dizer que as vítimas estão contra qualquer modificação da política penitenciária.
Consegue perdoar um etarra?
Quem poderia perdoar infelizmente não está já connosco. Respeito a opinião de outras vítimas que perdoam, mas eu nem perdoo nem esqueço. A obrigação deles é colaborar e arrepender-se de cada atentado. Eu continuo a pensar o mesmo que há 20 anos, quando mataram o meu irmão. Não se troca a colaboração pelo perdão. Nós já demos muito, a vida dos nossos familiares.
Em Madrid