Quando juncos chineses competiam com naus portuguesas

A China é hoje o grande parceiro económico de África e presidente Xi Jinping, de visita ao continente, pode reivindicar relação com 600 anos, graças ao almirante Zheng He

O almirante chinês Zheng He fez sete viagens de exploração marítima no início do século XV ao serviço da dinastia Ming, chegando tão longe como Java, no sentido sul, ou a atual Tanzânia, para Sudoeste. Das viagens a África ficou a memória de uma girafa trazida de Melinde, hoje Quénia, e oferecida ao imperador Yongle, que patrocinava a aventura marítima.

A última das viagens ocorreu em 1433. Os sucessores de Yongle não eram tão entusiastas das explorações oceânicas. Além disso, o próprio almirante Zheng He terá morrido no regresso da sétima viagem, segundo uma das versões históricas (a outra, data a sua morte de 1435, a defender Nanquim, a antiga capital, pois foi Yongle quem escolheu Pequim para governar e mandou erguer a Cidade Proibida).

Estas viagens chinesas coincidiram como o início da expansão portuguesa. Em 1434, ano depois da sétima viagem de Zheng He, Gil Eanes passava o cabo Bojador. E essa Melinde de onde foi levada a girafa para Pequim é a mesma onde em 1498 Vasco da Gama aportou e encontrou um piloto que o ajudou na travessia final até Calicute, na Índia.

Pode especular-se que se não fosse a mudança de liderança imperial na China, os juncos de Zheng He e sucessores poderiam ter contornado África, talvez até cruzando-se umas décadas depois com as naus portuguesas ao largo de Angola ou da Guiné, mas historiadores como João Paulo Oliveira e Costa, professor na Universidade Nova de Lisboa, discordam totalmente. "Como todos os navios dos mares da Ásia os juncos estavam preparados apenas para navegar com ventos favoráveis, devido às monções. Exploraram a costa africana até à atual Tanzânia, mas dificilmente passariam a sul de Moçambique, pois aí já sopram ventos alísios. Ou seja, os juncos chineses não tinham condições sequer para se aproximarem do cabo das Tormentas", afirma um dos autores de História da Expansão e do Império Português e biógrafo de D. Manuel I, o rei que enviou Vasco da Gama à Índia.

Zheng He, nascido muçulmano e feito eunuco depois de capturado criança numa guerra, não deixa de ser uma das grandes figuras da história marítima. Em Hamburgo, o museu dedicado à navegação, considera-o um dos sete grandes marinheiros de sempre, num grupo onde estão os portugueses Bartolomeu Dias (que foi o pioneiro a passar as Tormentas, depois cabo da Boa Esperança), Vasco da Gama e Fernão de Magalhães. Para os chineses é um herói, pelo menos desde que em 1905 um intelectual progressista dos tempos finais do Império publicou a biografia O grande navegador da nossa pátria.

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