Quadro Financeiro: "Os gigantes do digital não pagam e devem pagar"
O eurodeputado social-democrata José Manuel Fernandes espera que o Conselho Europeu dê luz verde, o mais rapidamente possível, ao Quadro Financeiro, agora que foi alcançado um acordo "histórico" que permite a mobilização de novas receitas para o orçamento da União Europeia.
Em entrevista ao DN e à TSF, no dia em que o Parlamento Europeu e a presidência alemã fecharam as negociações para o orçamento de longo prazo, o relator para os recursos próprios do Quadro Financeiros Plurianual afirma que o acordo permite reforçar programas como Erasmus+, e "triplicar" o orçamento para gastos em saúde.
Como é que foi possível manter os tectos das contribuições nacionais e aumentar o montante global do Quadro Financeiro? É o melhor de dois mundos?
É muito fácil. Quando o conselho aprova o Quadro Financeiro Plurianual, aprova autorizações. E, por exemplo, nem todas as autorizações ficam preenchidas ou adstritas, por exemplo, a programas, àquilo que nós chamamos de margens. E, portanto agarramos em 2,5 mil milhões de margens para reforçar programas europeus. Além disso, temos, por exemplo, multas em que a média anual é de 2,2 mil milhões de euros, e essas multas não ficam no orçamento porque regressam aos Estados-Membros. O que fizemos: o montante de 11 mil milhões de euros de multas, de 2021 a 2027, vão servir para reforçar programas europeus. Além disso há sempre programas não executados, aquilo a que se chama as desafetações. E, também há receitas que vêm, por exemplo, de instrumentos financeiros. Somando 11 mil milhões mais 2,5 mil milhões mais 1,5 dá o montante de 15 mil milhões. Estes 15 mil milhões foram usados para aumentar programas europeus. E, ainda colocamos um instrumento para a flexibilidade de 1000 milhões de euros. Com esses 15 mil milhões de euros mantivemos os envelopes nacionais. Portugal vai receber de 2021 a 2027 a preços correntes cerca de 50 mil milhões de euros do Quadro Financeiro Plurianual e do Fundo da recuperação. E depois fizemos aquilo que o conselho devia ter feito: o Conselho cortou o programa de saúde [e] nós triplicámos o programa europeu para a saúde. Queremos proteger os cidadãos europeus. Nós reforçamos o programa de investigação. Queremos uma vacina para este momento e para a Covid19. Depois, precisamos reforçar a nossa economia, de criar emprego e o que fizemos foi reforçarmos com mil milhões de euros, o programa para investimentos denominado InvesteEU. Portanto nós reforçamos programas europeus que têm um grande valor acrescentado. Com estes recursos financeiros, e que não puseram em causa o limite máximo acordado em julho pelo Conselho.
Não acha arriscado ter uma fatia importante dos recursos próprios que depende de multas, que por sua vez também estão dependentes de uma série de condicionantes para serem cobradas e até, eventualmente, para existirem, pois dependem da haver infração...
Risco zero. Porquê? Porque se não existirem multas no montante de 11 mil milhões, o acordo é que os Estados membros colocam os 11 mil milhões. E, por outro lado, se o resultado das multas for superior a 11 mil milhões, o excedente regressa para os Estados-Membros em função da sua contribuição nacional. Portanto, não há nenhum risco. Há a garantia que teremos estes 11 mil milhões de euros para reforçar os programas que se prevê que venham das multas. Mas, se multas não existirem, os Estados membros terão de pôr lá os 11 mil milhões.
Depois de tanto esforço, de tantas reuniões, de trabalho contínuo, não sabe a pouco que o reforço dos montantes apurado seja uma soma de 16 mil milhões de euros?
Não sabe a pouco, porque em anos anteriores não houve reforço nenhum. Se olharmos para o início, mesmo governantes portugueses diziam que estávamos a exagerar e que era impossível conseguirmos reforçar os programas europeus, e que não estávamos a ser responsáveis. Quando eu disse logo que havia soluções, e referia de imediato a questão das multas, e a questão da flexibilidade que são as margens e as desafetações. E, portanto a prova está aqui. Além disso, há um ponto importantíssimo, que é histórico. Que é um acordo vinculativo para a introdução de novas receitas no orçamento, de novos recursos próprios.
Em futuros orçamentos?
A partir de 2021 a 2027, o pagamento da dívida resultante do Fundo de Recuperação é pequeno 12,9 mil milhões de euros em sete anos, ou seja, 0,01 por cento do orçamento. Mas, a partir de 2027 o custo da dívida vai ser de 10 por cento. O orçamento vai ser mais de 15 mil milhões de euros por ano, que corresponde a mais de 100 mil milhões de euros em sete anos. Se nós não tivermos novas receitas para cobrir essa dívida, o que vai acontecer é um corte de 10 por cento no orçamento da União Europeia.
Daí a necessidade de inovar já em relação aos recursos próprios?
O que tentámos já neste orçamento, e não conseguimos, foi colocar o pagamento da dívida acima do limite do orçamento acima dos plafonds. Não conseguimos isso agora e agora não é um problema. Mas, garantirmos que para o futuro que, - e temos uma declaração nesse sentido -, decidimos que não há um precedente para o próximo Quadro Financeiro Plurianual. Nós não queremos que o pagamento da dívida resulte em cortes nos fundos e nos programas. Então qual é a solução. É mais impostos dos contribuintes? Não. É um princípio simples que - em alguns anos - quem não paga deve pagar. Isto parece tão difícil é simples.
Quem?
Os gigantes do digital não pagam devem pagar. Nós defendemos por exemplo também o mecanismo de ajustamento de carbono nas fronteiras que não será para todos os produtos. Mas produtos que entram na União Europeia e que vêm de países que não têm os mesmos standards que a UE tem, esses produtos devem ser taxados. É um convite a esses países não poluírem, é também uma receita que fica, é um desincentivo à descarbonização e é também um reforço da competitividade das nossas empresas. A taxa sobre as transações financeiras, - e se for feita à escala global, tanto melhor, - é outro exemplo. Recursos e reformas que permitam o combate à fraude e elisão e evasão fiscal - só por ano, o que nós temos em termos de fraude e evasão fiscal é o equivalente aos sete orçamentos anuais. Portanto nós temos que trazer justiça fiscal àqueles que não pagam, devem vir a pagar. Temos um cabaz de recursos próprios, com um acordo vinculativo, que deve ser suficiente para pagar a dívida com o objetivo de não cortar, nem os fundos, nem os programas, com datas definidas. Isso é histórico. Isso nunca aconteceu. Para ter uma ideia, há 32 anos que não há uma nova fonte de financiamento no Orçamento da União Europeia. 32 anos. E, agora vamos começar a ter os plásticos até 2021, e ainda no próximo 2021 a 2027 ainda vamos ter outros recursos. Mas nós queremos que as fontes de financiamento estejam todas prontas para depois de 2027, e não termos cortes no orçamento.
Estamos a menos de dois meses da entrada em vigor do quadro financeiro de expectativas que tem que possam ser evitados atrasos e já agora quanto é que espera que dinheiro da "bazuca" possa chegar às economias nomeadamente a Portugal?
Tem havido uma grande irresponsabilidade do Conselho ao tentar culpar o Parlamento atrasos, mas agora as desculpas do Conselho acabaram. Nós, em 16 de setembro, aprovamos a decisão de recursos próprios o parecer que é aquela decisão que permite à Comissão Europeia ir aos mercados buscar os 750 mil milhões de euros. O nosso trabalho está feito desde 16 de setembro. Mas, desde essa altura o Conselho ainda não decidiu e tem de decidir por unanimidade. E, depois decidir por unanimidade, os parlamentos nacionais têm de ratificar. Ora isto normalmente demora um ano e meio a dois. Nós estamos numa situação de emergência. Aquilo que nós queremos é que isto seja rápido.
Espera que haja dinheiro disponível já na primavera? Fevereiro, março?
Não. Esperava era que já estivesse pronto em 1 de janeiro de 2021. Agora quando é que isto vai estar pronto, é quando o último parlamento nacional ratificar. Mas, ainda é preciso o Conselho decidir por unanimidade e portanto é urgente esse passo. É uma vergonha o Conselho ainda não tendo decidido, e se esconder atrás de desculpas quer por causa do regulamento do Estado de Direito. Agora por causa do quadro financeiro plurianual acabaram se as desculpas todas. E deviam de decidir já hoje. Mas tem um problema interno dentro do conselho, que foi sempre o que nós dissemos que a questão do Estado de Direito, que é um problema que eles próprios criaram. É inaceitável a chantagem que a Hungria está a fazer e a Polónia. Mas depois os frugais também aproveitam isto para tentar esticar a corda e tomara eles que não existisse um fundo de recuperação.