Projeto "mão na lama" ajuda 350 mulheres a viver
350 mulheres vivem da agricultura na Cintura-Verde de Granja de Pessubé na Guiné Bissau. Queixam-se da falta de apoios do governo de Aristides Gomes, com 50% de ministras mulheres. Além de terem pouco dinheiro, falam em assaltos por toxicodependentes. E também violações.
As 350 mulheres horticultoras que trabalham nos dois hectares dos dois perímetros da Cintura Verde da granja de Pessubé, na Guiné-Bissau, receberam com grande alegria a lei da paridade que integrou 50% de mulheres no atual governo liderado por Aristides Gomes.
Todas estavam convencidas de que era desta vez que iam encontrar a solução para dificuldades no acesso à água para a irrigação e acabar com os assaltos de jovens fumadores de liamba de que são vítimas durante as caminhadas que fazem de madrugada até aos seus gabinetes de horticultura.
Cem dias passaram sobre a formação do governo paritário sem que, porém, nenhuma das mulheres que o integram tenha visitado os dois hectares que compõem a cintura verde. Aí trabalham duas associações de mulheres horticultoras: Associação Ajuda Mútua das Mulheres na Luta contra a Fome e a Associação das Mulheres Horticultoras Assim É o Mundo.
As duas organizações esperavam, sobretudo, com a nomeação de Nelvina Barreto para ministra da Agricultura, receber mais atenção do governo do que no passado, quando os homens dominavam por completo o executivo de Bissau. Mas para elas a lei da paridade governamental não passa de uma simples miragem que ainda está longe de chegar a uma realidade. Além da paridade governamental, também o presidente da República, José Mário Vaz, incentivara as mulheres horticultoras com o seu projeto Mão na Lama.

350 mulheres horticultoras trabalham na Cintura Verde da granja de Pessubé.
© D.R. - António Nhaga
"O presidente da República incentivou-nos com o Mão na Lama, mas até agora, na cintura verde, nós não vimos nem sentimos nada de concreto desse projeto", explicou ao DN a presidente da Associação das Mulheres Assim É o Mundo, Teresa de Carvalho, que constatou: "Fomos abandonadas à deriva e à própria sorte pelo governo de paridade e pelo presidente."
Tal como as outras mulheres horticultoras da Assim É o Mundo, Teresa de Carvalho levanta-se todos os dias às cinco da manhã e às seis já está a caminho do seu gabinete para desenvolver as atividades de cultivo da terra e ganhar pão para sustentar os seus oito filhos. E há dias em que, pelo caminho, ela e outras mulheres são assaltadas por jovens e adolescentes que também procuram aquela zona, muito isolada, para fumarem liamba e outras espécies de drogas longe dos olhares dos agentes da autoridade.
Nas lutas que, por vezes, têm de empreender com esses jovens, as mulheres perdem as sementes que compraram em diversos estabelecimentos comerciais do país. E há dois anos que não recebem nenhum apoio do governo ou das ONG que trabalham na área da agricultura, nem da Fundação Mão na Lama, promovida pelo presidente da República.
"Há dois anos que não recebemos nenhum apoio das ONG parceiras da Assim É o Mundo, asseverou ao DN Teresa de Carvalho, assumindo de seguida: "Agora cada mulher compra as suas sementes em diferentes estabelecimentos comerciais do país. Mas, como não temos muitos conhecimentos académicos para escrutinar a qualidade das sementes, muitas vezes acabamos por comprar sementes velhas, fora de prazo, que depois não germinam."
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
Entre as horticultoras que trabalham na Cintura Verde da granja de Pessubé a opinião é unânime: sem apoio do governo não reunirão as condições para produções hortícolas suficientes e necessárias para alimentação quotidiana das suas famílias. Como é natural, na sociedade guineense, as famílias agrícolas são sempre numerosas.
"Eu vivo numa casa que herdei do meu falecido pai. Mas, mesmo assim, não suporto, só com o rendimento da minha produção hortícola, as despesas diárias da minha família", explicou Teresa de Carvalho, presidente da associação Assim É o Mundo. E explicou: "Em dezembro e em janeiro é o período do início da colheita, em que conseguimos vender bem os nossos produtos. Cada bandeja de alface custa, neste período, seis mil francos CFA [nove euros]."
A vice-presidente da Associação de Ajuda Mútua das Mulheres contra a Fome, Adelina Delgado, testemunhou, por seu lado, ao DN: "Recebemos no ano passado a visita de Francisca Vaz, uma das líderes das organizações de mulheres na esfera de decisões, que nos permitiu fazer uma advocacia junto das autoridades no sentido de podermos obter créditos bancários que nos permitissem recuperar a nossa bomba elétrica e termos, assim, acesso a muita água para a irrigação dos nossos viveiros."

350 mulheres horticultoras trabalham na Cintura Verde da granja de Pessubé.
© D.R. - António Nhaga
Apesar de tudo, as horticultoras da Cintura Verde têm esperança de um dia poderem receber apoio do executivo de Aristides Gomes. "Esperamos poder ainda receber o apoio das mulheres que integram o governo de paridade", disse Amélia Falcão. E afirmou: "Se elas realmente pensarem na nossa atividade e nos poucos recursos financeiros de que dispomos poderão ajudar-nos a dinamizar a nossa produção, porque passaremos a ter condições de ter água suficiente para a irrigação dos nossos viveiros."
Nené Barbosa, outra horticultora, considera que, "apesar de tudo, a esperança é a última coisa a morrer na vida", e diz esperar que este governo de paridade esteja ainda em condições de, nos próximos meses, dar um apoio visível, sistemático e qualitativo à produção agrícola das mulheres.
Muitas delas são viúvas dos antigos combatentes da Liberdade da Pátria, que recebem as pensões dos falecidos maridos. Estas servem como uma espécie de complemento dos seus rendimentos de produção hortícolas, para ajudar no pagamento das suas despesas mensais.
"Tenho sustentado a formação dos meus cinco filhos com o rendimento da minha produção hortícola", contou Linda Mango, reconhecendo que também recebe pensão pela morte do marido. "Todos os meus filhos trabalham arduamente nos viveiros e vendem também as hortaliças no Mercado Verde para poderem pagar os estudos ou comprar roupas", explica.
"Vi e compreendi muito bem o esforço que a minha mãe faz nos viveiros para conseguir pagar-nos os estudos. Por isso, tento ajudá-la não só no cultivo como também na venda dos produtos no mercado", disse ao DN Valdo Carlitos Dias, filho da horticultora Linda Mango, que fez curso médio de Administração no Centro São João Bosco e de Educação Física na Escola Nacional de Educação Física e Desporto (ENEFD) com o dinheiro da horticultura que a mãe ganhava na Cintura Verde.
Além da dificuldade de acesso à água, Linda Mango está igualmente preocupada com os roubos que são perpetrados quase diariamente por pessoas ainda não identificadas. "Hoje chegámos aqui e encontrámos todo o viveiro de mandioca vazio. Roubaram as raízes e deitaram o resto da planta dentro do poço de água. E logo agora que eu e os meus filhos acabámos de recompor estes viveiros de mandioca..."

Muitas das mulheres horticultoras guineenses são viúvas de ex-combatentes. Algumas contam com a ajuda dos filhos no cultivo da terra e na venda dos produtos.
© D.R. - António Nhaga
Para além dos roubos dos seus produtos hortícolas, as mulheres que trabalham nos viveiros da granja de Pessubé estão também sujeitas a violações sexuais. Sobre isso, por uma questão de honra e de vergonha, mantêm o silêncio e não fazem queixa à polícia. Elas não apontam o dedo a ninguém, mas admitem que estão expostas a violações sexuais, uma vez que aquela zona agrícola é também considerada uma espécie de campo onde se concentram liambeiros. Estes, depois de fumarem liamba, assaltam, saqueiam e violam qualquer mulher que madrugar para abrir o seu Gabinete de Horticultura na Cintura Verde.
Apesar das acusações, a ministra da Agricultura, Nelvina Barreto, diz estar consciente do trabalho da produtividade que as mulheres horticultoras e floricultoras estão a desenvolver por todo o país. "Elas fazem um grande esforço na produção agrícola. E nós estamos cientes das dificuldades que elas têm para encontrar água para irrigação, porque, em vários encontros que tivemos, elas relataram-nos a situação de falta de água, da vedação para os seus viveiros e outros utensílios necessários para melhor desenvolver as suas atividades agrícolas", explicou a ministra.
A governante garantiu ainda: "Temos uma visão integrada sobre o apoio que vamos dar às mulheres que trabalham nos viveiros agrícolas na Cintura Verde na granja de Pessubé. O governo, em colaboração com o Banco Africano do Desenvolvimento, já aprovou um projeto no sentido de as apoiar a melhorar as suas capacidades de produção, dando-lhe formação, instrumentos de trabalho e financiamentos de que elas tanto precisam para dinamizar as suas atividades agrícolas."
Ainda de acordo com a ministra da Agricultura guineense, em janeiro de 2020 o governo vai autonomizar as atividades agrícolas das mulheres da Cintura Verde. Em relação ao microcrédito, Nelvina Barreto disse que "o governo está a trabalhar para ver como é possível otimizar as ações que já estão a ser feitas pelas outras instituições parceiras sobre as poupanças e os créditos".
A ministra garantiu também ao DN que o seu governo pretende tirar as mulheres horticultoras do domínio dos negócios precários para passarem a ter a noção de um negócio mais sustentável e consolidado. E, para isso, a governante garante que é necessário investir na formação, porque nenhuma mulher poderá fazer crescer o seu próprio negócio se, em primeiro lugar, não souber ler nem escrever.
Artigo originariamente publicado na edição impressa do DN de dia 26 de outubro