Popularidade do ministro da Saúde do Brasil dispara. Bolsonaro critica "falta de humildade"
"Não comento o que o presidente da República fala. Ele tem mandato popular e quem tem mandato popular fala, quem não tem, como eu, trabalha", disse Luiz Henrique Mandetta, o ministro da Saúde do Brasil, que se tem assumido como o rosto do governo federal no combate ao novo coronavírus. As declarações surgiram na quinta-feira passada, horas depois de Jair Bolsonaro, o presidente da República, ter dito em entrevista que "o Mandetta quer fazer muito a vontade dele, pode ser que ele esteja certo, mas está faltando um pouco mais de humildade para ele, para conduzir o Brasil neste momento difícil em que nos encontramos (...) ninguém é indemissível". Bolsonaro é um dos raros líderes mundiais a apoiar o fim do isolamento social. Mandetta é acérrimo defensor do confinamento.
A guerra surda entre o capitão do Exército e o médico ortopedista, ambos ex-deputados, já era comentada há semanas, a partir do momento em que num discurso à nação na noite de 24 de março o primeiro, sem ouvir o segundo, criticou a política de quarentena e estimulou o regresso ao trabalho.
No passado fim de semana, horas depois de Mandetta, numa das suas conferências de imprensa diárias, ter reforçado a importância de se evitar aglomerações, Bolsonaro passeou pela periferia de Brasília, provocando ajuntamentos de pessoas.
Noutra tentativa de esvaziar a notoriedade de Mandetta, a Presidência mudou a forma de apresentação do boletim diário do covid-19 - antes, as informações eram divulgadas no Ministério da Saúde, sob sua batuta, mas, desde o inicio da semana, passaram para o Palácio do Planalto, comandadas pelo general Braga Netto, chefe da Casa Civil, que só então passa palavra ao colega ministro.
E em mais um episódio da tal guerra surda, Bolsonaro reuniu-se com médicos no Planalto sem Mandetta saber.
Com a sucessão de palavras trocadas na quinta-feira, a guerra já não é nem surda nem muda, é real.
Os altos e baixos da relação têm registado episódios diários.
Bolsonaro, sentindo-se isolado por verificar que todos os 27 governadores estaduais, assim como a maioria dos seus ministros e até dos conselheiros militares que o circundam no Palácio do Planalto, estão a optar pelo confinamento, como recomenda Mandetta, optou por uma comunicação ao país, na última terça-feira, que parecia tentar pacificar os ânimos no executivo. Num tom conciliatório e em conformidade com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde, disse que "o vírus é uma realidade, a prevenção importa, mas o emprego também deve ser preservado".
No dia seguinte e nos subsequentes, porém, já voltou ao tom anterior, ao criticar as medidas restritivas dos governos estaduais, sobretudo os do Rio de Janeiro e de São Paulo, liderados pelos seus rivais políticos Wilson Witzel e João Doria, respetivamente : "Os governadores estão com medinho do vírus, é?", perguntou na quinta-feira. E, depois, ameaçou com "uma canetada" [a assinatura de um decreto]. "Eu tenho um projeto de decreto na minha frente, para ser assinado; se preciso for, posso reabrir o comércio numa canetada", avisou.
Entretanto, o clima de confronto entre Bolsonaro e Mandetta, um médico ortopedista, ex-secretário da Saúde de Campo Grande, a capital de Mato Grosso do Sul, entre 2005 e 2010, que responde a um inquérito por fraude em licitação, tráfico de influência e saco azul na criação de um sistema de prontuários eletrónicos, vem sendo favorável ao ministro, a julgar pelas avaliações nas sondagens.
O Ministério da Saúde viu o seu índice de aprovação saltar de 55% para 76%, na pesquisa feita de quarta a sexta-feira, por telefone, pelo Instituto Datafolha, o período em que as tensões entre o presidente e o ministro foram evidentes. Bolsonaro caiu dois pontos, dentro da margem de erro, para 33%, menos de metade do registo da pasta liderada por Mandetta.
Na reprovação, a Saúde viu o índice de avaliações negativas cair de 12% para 5%, enquanto o papel de Bolsonaro na crise foi criticado por 39% (número quase oito vezes superior à taxa do ministério) - eram 33% na pesquisa anterior, feita de 18 a 20 de março.
Levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas, por outro lado, identificou, em apenas uma semana, um crescimento de citações a Mandetta na rede de 2976%. Antes da pandemia, o ministro aparecia em menos de 20 mil citações mensais. Nos últimos 30 dias, o número saltou para 615 mil.
Com a pandemia, até Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública, e Paulo Guedes, da Economia, perderam espaço para o titular da Saúde. Moro, que sempre liderou o ranking entre ministros, teve 246,1 mil menções no Twitter - 60% a menos do que Mandetta. E, apesar das medidas económicas anunciadas, Guedes foi citado em 189,5 mil tweets - quase 70% a menos do que Mandetta.
Com base nesses números, o site CongressoemFocochamou Mandetta de "novo superministro", o epíteto pelo qual são conhecidos Moro e Guedes.
Em simultâneo, a aprovação geral de Bolsonaro cai. De 34% em fevereiro passou a 30% em março e está agora em 28%, segundo sondagem da XP Investimentos. E a reprovação sobe: foi de 36% a 42%.
Os governos estaduais, na contramão de Bolsonaro, cresceram na avaliação dos brasileiros.
Assim como o Congresso Nacional, representante do poder normalmente com pior imagem, o legislativo, graças à posição inequívoca dos líderes das duas casas, o Senado e a Câmara dos Deputados, pelo isolamento. Presidente da segunda, Rodrigo Maia, a propósito da guerra entre Bolsonaro e Mandetta, resumiu o ponto da situação: "O presidente não tem coragem de demitir Mandetta."