Os partidos também se abatem

Somados, os candidatos presidenciais dos dois grandes partidos franceses não chegaram sequer a 30% dos votos na primeira volta das presidenciais. Uma crise do centrão que foi mortífera na Itália dos anos 1990, arrasadora na Grécia da austeridade e se faz sentir também hoje em Espanha. Veremos se se confirmará em França, que tem legislativas em junho. Um P&R para perceber melhor.
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Depois das presidenciais, com segunda volta marcada para 7 de maio, os franceses vão ter legislativas em junho. Há razões para Os Republicanos e o PSF estarem preocupados ?

Pela primeira vez na história da V República, os dois grandes partidos falharam ambos a colocação de um candidato na segunda volta. Ora, os 20% de François Fillon são um mau resultado para Os Republicanos, a chamada direita clássica, e deixa antever sérias dificuldades em repetir os 35% que os seus candidatos e afins tiveram nas legislativas de 2012. Mas os 6,4% de Benoît Hamon são uma catástrofe para os socialistas, que há cinco anos eram capazes não só de eleger François Hollande como presidente como ainda conseguir uns sólidos 40% na primeira volta das legislativas, a que serve melhor para medir a força de cada partido antes das desistências cruzadas. A dúvida é se, confirmando-se Emmanuel Macron como presidente da república, os socialistas serão capazes de se agarrar ao seu movimento En Marche! como tábua de salvação, afinal foi ministro de Hollande, ou tentarão ressuscitar o partido. Em paralelo, com Marine Le Pen a passar a fasquia dos 20% agora, e talvez uma ainda mais alta a 7 de maio, a Frente Nacional tem condições para mesmo perdendo as presidenciais abalar o tradicional sistema partidário (que prejudica bastante a FN em termos de deputados) e irromper forte na Assembleia.

Esta crise aguda do centrão francês é algo de novo para as democracias europeias?

Nem pensar. Por exemplo, em Itália, a Democracia Cristã e o PCI dominaram no pós-guerra, chegando a somar juntos 73% dos votos (recorde, em 1976) e ainda valiam 61% nas legislativas de 1987, mas na década de 1990 mudaram de ideologia e refundaram-se, acabando por desaparecer. E até hoje o sistema italiano continua em convulsão, pois nas eleições de 2013 os dois maiores partidos só somaram 58% dos votos porque encabeçavam alianças e o Movimento Cinco Estrelas, fenómeno nascido na internet, luta com ambos de igual para igual. Outro caso de implosão de um centrão deu-se na Grécia. A vítima foi o PASOK, que passou de gigante a anão.

É a tal pasokização que faz tremer tantos partidos socialistas na Europa?

Sim, se entendermos por pasokização um partido como os socialistas gregos passarem de 38,1% nas eleições de 2009 (e nem sequer era o seu recorde) para 6,3% em 2015 e ao mesmo tempo um partido de esquerda radical, como o Syriza, tomar o seu espaço e até conquistar o poder. Isso em França não está a acontecer, a não ser que Jean--Luc Mélenchon seja capaz de transformar os 19,6% destas presidenciais num novo projeto agregando os comunistas aos ecologistas e entrando no eleitorado do PSF. A ameaça real é mesmo o En Marche!.

Até tem sido em Espanha que mais se fala do fantasma da pasokização, não é?

É um fantasma bem real lá, e que assusta o PSOE. Nas duas últimas eleições, feitas no espaço de poucos meses, os socialistas espanhóis tiveram os seus dois piores resultados de sempre, a rondar 22%. E com o Podemos, populista de esquerda, a conseguir 21% dos votos.

Confirma-se que também a direita espanhola está em queda, ajudando assim à crise do bipartidarismo?

É relativo. É verdade que o Podemos e também o Ciudadanos, de centro-direita, vieram complicar o xadrez político espanhol, mas mesmo assim nas eleições de junho de 2016 os conservadores conseguiram 33%. E se em tempos a dupla PP-PSOE valia uns 80% dos votos, contra os atuais 55%, não é ao partido de Mariano Rajoy que se podem atribuir as principais culpas.

Ou seja, a direita espanhola, como também a grega, resiste à crise do centrão?

Resiste e até governa. No caso grego, a Nova Democracia, que em 2009 valia 41,8% agora consegue uns honrosos 28,1%, insuficientes para competir com o Syriza de Alexis Tsipras.

Na direita francesa, também a situação é melhor do que à esquerda, então?

Em aparência, sim. Ver-se-á como se comporta o eleitorado de Fillon na segunda volta das presidenciais. Se segue a sua indicação de voto em Macron ou se se inclina para Le Pen. E nas legislativas de junho, a direita clássica vai ser muito desafiada pela extrema-direita.

Alemanha e Reino Unido são agora os bastiões do centrão na Europa, isto na lógica de direita moderada versus social-democracia?

Em 2013, CDU e SPD, que até se entenderam para governar juntos, somaram 67,2% dos votos. É bom se olharmos à volta, mas em 1990, nas primeiras legislativas da Alemanha reunificada, esse valor atingia os 77,3%. E se no Reino Unido, em 2015, conservadores e trabalhistas valiam juntos 67,3%, não deixa de ser curioso relembrar que em 1951, quando Winston Churchill voltou ao poder, os dois partidos conquistaram uns extraordinários 96,8% dos votos. Tanto alemães como britânicos vão dentro de meses a votos e é provável que os centrões percam terreno para os pequenos partidos mas sem sacrificarem a sua posição de domínio claro sobre o sistema.

Em Portugal, o chamado bloco central está sólido?

Para apurar quanto valem PSD e PS juntos é preciso recorrer aos resultados de 2011: 66,7%. Mas interpretando os resultados de 2015 (com o PSD coligado com o CDS) e as últimas sondagens, a soma deverá continuar nos dois terços. Ora, o mínimo histórico do nosso Bloco Central foram os 50% obtidos em 1985, que coincidiu com o final do único governo digno desse mesmo nome e também o ano da erupção do PRD.

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