"O sistema de sanções é absurdo"
Em Portugal, existe hoje um sentimento geral de que a União Europeia está a ser injusta quando ameaça com sanções por causa do défice um país que teve de aplicar medidas de austeridade, tal como a Espanha, também na mira de Bruxelas. Como espanhol e antigo vice-presidente da Comissão, qual é a sua opinião?
O sistema de sanções que existe na União Europeia no Pacto de Estabilidade é absurdo. Se há um país que tem dificuldades económicas e além disso lhe impões sanções, a situação será ainda pior. Parece-me também que estas exigências também respeitam muito pouco a história. Já em 2003, depois do Pacto de Estabilidade, o primeiro país que fez tudo para que não fosse aplicado foi a Alemanha. A Alemanha estava em incumprimento.
A tal política de dois pesos, duas medidas, porque depois também França falhou, mas são grandes...
Exatamente. Mas estou convencido que será muito difícil e complicado sancionar Portugal e Espanha no final de tudo. Porque a seguir teria de sancionar-se a França.
Portanto, se Portugal e Espanha forem poupados, será sobretudo para poupar também um terceiro país?
Gostava de ver a Alemanha a exigir no Conselho Europeu impor-se sanções a França! É uma forma de pôr as coisas um pouco cínica, mas é a realidade. E não deve escandalizar-nos. Devemos ultrapassar o problema com a consciência que temos a obrigação de tentar o cumprimento possível do défice. E a partir daí encontrar os mecanismos de flexibilidade que permitam aos países ajustarem-se de uma maneira mais equilibrada.
Por outro lado, também se demoniza o ministro das Finanças alemão por insistir nas falhas de Portugal. Faz sentido para si culpar Schäuble de todos os males?
Não. Temos que perceber o discurso que faz e porquê. É muito para consumo interno. A Alemanha está numa situação política complicada. E Schäuble é um político da CDU, como a chanceler Merkel, e preocupa-o a ascensão do partido de extrema-direita xenófobo. Tem de fazer um discurso duro e convém, em Lisboa ou Madrid, não se fazer leituras exageradas. É preciso haver gente bem preparada capaz de interpretar aquilo que é dito. No Conselho de ministros das Finanças europeus dizem-se coisas que no final não vão acontecer. Olhe-se para o que diz Dijsselbloem. Muitas vezes tem que ver com a situação política interna holandesa.
Uma vez mais a ameaça da subida dos extremistas?
Há neste momento um dado muito importante. Para analisar bem o que se passa é preciso ter em conta que há cinco governos na União Europeia que são sustentados por partidos de extrema-direita. Populistas anti-europeus se preferir, mas em Portugal e Espanha diríamos fascistoides. E no caso da Áustria a eleição presidencial repetida é preocupante.
Foi o primeiro comissário europeu de Espanha, logo em 1986. Quando eram só 12 membros. E foi vice-presidente da Comissão quando eram 15. Agora são 28 os Estados-membros. Foi um alargamento demasiado rápido?
Não se preparou bem o alargamento. Surgiu a ideia de que a Europa tinha de sofrer um abanão e que esse abanão era um alargamento a Leste. Contrariando os que preferiam outros tipos de equilíbrio, fez-se um alargamento muito rápido. E que não foi ainda bem digerido, o que explica a dificuldade em governar a Europa.
Faz-se muitas vezes a analogia da entrada de Grécia, Portugal e Espanha, como prémio às novas democracias. O mesmo mereciam os ex-países comunistas, certo?
Historicamente, a Europa tinha de dar uma resposta positiva às expectativas do leste. Faz parte do conceito da União Europeia ser um garante de paz e estabilidade. E recordo que graças à União Europeia foi possível a reunificação alemã. Ao aceitar os antigos países do Pacto de Varsóvia, provou-se a extrema utilidade do mecanismo de integração, como se fosse um colchão. Mas tinha de ser feita com mais cautela.
Pensa que o Reino Unido vai concretizar o brexit?
Creio que não podemos descartar, dada a crise que existe no Partido Conservador, e também nos trabalhistas, que o Reino Unido antecipe as eleições e o novo governo coloque de novo a questão do brexit.
Mas mesmo que o brexit não avance, o resto da Europa vai ter de continuar a ter paciência com os britânicos?
A minha dúvida é, se o brexit acontecer, como será que o resto dos europeus vão conduzir as negociações? E até que o Reino Unido apresente de forma formal o pedido para pôr em andamento o artigo 50 ninguém sabe o procedimento. Tudo é uma incógnita. Não esperava esta irresponsabilidade dos políticos britânicos.
Fala de Cameron?
Sim, e de Boris Johson e Farage. Meu Deus, se um político português ou espanhol isto tivesse feito o que se diria. Não assumiram a responsabilidade das suas ações. Criaram o problema e foram-se embora.
Esta critica que faz aos políticos britânicos, de falta de qualidade, aplica-se aos estadistas europeus em geral? No seu tempo, conviveu com Kohl e Mitterrand. Crê que há hoje um défice de qualidade dos líderes.
Sem dúvida.
E Merkel é a exceção?
Evidentemente. Claro que teve de tomar decisões que pode pagar muito duro, como a imigração. Mas foi valente. Lembro-me do caso da menina palestiniana e de ela ter começado a chorar. Isso fê-la refletir. Não se pode dar uma resposta desumana a uma menina e por isso tomou a decisão contrária, de acolhimento. E tenta colocar o problema numa perspetiva europeia e reúne-se com líderes que nem sobre o sistema de quotas para refugiados se entendem. Há muitas coisas que a Alemanha faz que não me agradam, mas hoje no Conselho Europeu olhas e só há a liderança de Merkel.
O euro é o mais positivo que a Europa conseguiu?
Sim. E é a maior derrota dos eurocéticos. Foi um sistema que nasceu imperfeito, o próprio Delors o disse, alertando faltar um governo económico. E só recentemente, por causa da crise grega e portuguesa, se organizou melhor, mesmo que segundo a visão alemã. Mas foi um grande passo. E vai ser determinante para o futuro da Europa. Que não será a 28.
Toda esta incapacidade para fazer um governo faz a Espanha perder influência na Europa?
Perde força e credibilidade.
E isso é culpa mais da esquerda ou da direita?
De todos. Perdeu-se a capacidade para fazer pactos. Nos espanhóis temos de ser capazes de assumir o que fazemos mal. Não serve de nada dizer que a culpa é sempre de Merkel. Ou que Merkel é uma ditadora.
Em Cuacos de Yuste