"Não havia gritos, acredita? Estava um silêncio assustador"
Ricardo Teixeira, motorista do Parlamento Europeu, estava no aeroporto quando as bombas rebentaram. Ileso, foi ajudar os feridos. Diz que socorro demorou demasiado
"A palavra que me sai é zombies. Zombies para a frente e para trás. Crianças a correr para a frente e para trás sem pais, crianças feridas, cheias de sangue. Chocou-me muito. E pernas e braços, bocados de carne por todo o lado. Mas não havia gritos, acredita? Estava um silêncio assustador. Eu ainda estou surdo de um ouvido, a gente fica sem ouvir, fica assim um apito."

Ricardo Teixeira, motorista do Parlamento Europeu, estava no aeroporto quando as bombas rebentaram
© REUTERS/Christian Hartmann
Ricardo Teixeira, 35 anos, algarvio, é motorista do Parlamento Europeu. Na terça-feira de manhã tinha ido levar um deputado às partidas e a seguir foi às chegadas, no andar de baixo, buscar outro. "Foi por cinco minutos. Desci e estava no supermercado quando senti o impacto. A bomba rebentou mesmo por cima de mim. Foi tão forte que parecia que tinha sido ao meu lado. Toda a gente caiu. E o teto caiu-nos por cima."
Viu pessoas feridas pela derrocada, mas "não com muita gravidade." E mal se levantou, ainda sem certeza do que se tinha passado mas desconfiado de um atentado - "Já esperava que alguma coisa acontecesse, eles tinham avisado que a seguir a Paris iam fazer mais" - resolveu ir lá acima ajudar. "Tenho formação de socorrista, já fui nadador-salvador. Estava a subir a escada quando rebentou a segunda bomba. Pareceram as duas da mesma intensidade, mas dessa vez estava mais longe." Mesmo assim, sem pensar que podia haver outras, não fugiu: foi ver. E viu. "Ferimentos horríveis. Uma senhora sem pernas, um polícia com um pé de lado. Grandes aberturas na cabeça, na face, mesmo na cara. No meu trabalho como nadador -salvador lidei com pessoas afogadas, mortas. Mas nunca nada assim."
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"Ajudar como podia"
Respira fundo, como há de ter respirado ali, no meio da carnificina. "Tentei ajudar como podia. Apanhei roupa do chão para fazer garrotes, disse a pessoas para fazerem pressão para estancar hemorragias." Não sabe se havia portugueses, não encontrou nenhum. Mas de uma coisa tem a certeza: o socorro levou tempo de mais. "Primeiro vieram três ambulâncias, mas era muito pouco para aquela gente toda. Tínhamos de andar de um lado para o outro a perceber quem devíamos ajudar primeiro. Ainda levou uma meia hora para chegarem as ambulâncias todas. Acho que fazia falta haver mais pronto-socorro ali, já se sabia do estado de alerta."
Pode ser, claro, que lhe tenha parecido mais tempo do que realmente foi: num momento assim, a aflição e a impotência podem fazer cada segundo parecer uma eternidade. "Mas foram 20 minutos pelo menos." Pelo meio, chegou a brigada de minas e armadilhas: "Ouvi alguém dizer que estava ali outra bomba, a terceira. Não sei como concluíram isso, talvez pelos vídeos ou assim."
Quando toda a gente já estava socorrida, Ricardo meteu-se no carro. Direito ao Parlamento Europeu, ao trabalho. "Tenho sorte de estar inteiro, isso é que interessa." Ele e o deputado que foi levar, de cujo nome não se consegue lembrar.
Molenbeek é outro país
Agora, conta, vai a Portugal uma semana, para a Páscoa. Quanto ao que se passou e porquê, não tem teorias. "Acho isto bizarro, não compreendo este radicalismo. Conheço muçulmanos de Molenbeek [o bairro de Bruxelas onde vivia e foi preso Salah Abdeslam, considerado um dos membros da célula que planeou e executou os atentados terroristas de 13 de novembro em Paris] que estão muito ofendidos com isto. Porque não estão nada de acordo, não acreditam em nada do que os terroristas defendem e sabem que são confundidos."
Mas, tendo vivido ano e meio nesse bairro de maioria muçulmana, vê-o como "outro país, não é Bruxelas. Não se vê um belga, vai-se aos supermercados não há bebidas alcoólicas, aos cafés e servem chá de menta. E há imensas mesquitas ilegais, de porta de trás."
Enviada especial a Bruxelas