Mossos d'Esquadra no centro da guerra entre Madrid e Barcelona

Sindicatos da Polícia Nacional e Guardia Civil criticam atuação inicial por parte dos catalães, dizendo ter sido excluídos
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O juiz da Audiência Nacional responsável pela investigação dos atentados de Barcelona e Cambrils, que fizeram 15 mortos, reuniu-se ontem com representantes dos Mossos d"Esquadra, Polícia Nacional e Guardia Civil. A reunião de coordenação surge num contexto de desacordo e críticas por parte das forças nacionais em relação à polícia catalã, face ao que podem ter sido erros de procedimento ou falhas de comunicação no início da investigação. Críticas que a nível político podem pôr fim às tréguas entre o governo catalão e o espanhol a pouco mais de um mês do referendo sobre a independência.

Depois dos atentados, a atuação dos Mossos d"Esquadra foi elogiada a nível nacional - dos 12 alegados suspeitos, seis foram mortos pela polícia (quatro deles pelo mesmo agente, que inicialmente foi identificado como uma mulher e depois como um ex-militar treinado na Legião Espanhola) e quatro detidos. Outros dois, incluindo o cérebro dos atentados, o imã marroquino Abdelbaki es Satty, morreram na explosão na casa em Alcanar, na véspera do ataque nas Ramblas. E é precisamente aí que começam as críticas à polícia catalã, já que a primeira reação desta foi considerar que tinha havido uma fuga de gás. Depois, que era um laboratório de droga e só mais de dez horas após a explosão, quando o ataque nas Ramblas já estava em curso, é que foi feita a ligação ao terrorismo.

Dois sindicatos da Guardia Civil e da Polícia Nacional emitiram um comunicado a denunciar a "exclusão e isolamento sofrido por ambos os corpos durante a investigação e gestão do atentado". Em particular o facto de a equipa especialista em artefactos explosivos (Tedax) ter sido impedida de aceder à casa de Alcanar, quando se ofereceu para ajudar. E questionam se, caso isso não tivesse acontecido, não teria sido possível impedir os atentados.

Por outro lado, segundo fontes do jornal espanhol ABC, a juíza de instrução que fez a inspeção ocular da casa alertou que as botijas de gás "podiam estar preparadas para um atentado". A resposta dos polícias presentes: "Meritíssima, não exagere." No local estavam afinal materiais suficientes para produzir entre 100 e 150 quilos de explosivo TATP, conhecido como a "a mãe de Satã", que é um dos preferidos do Estado Islâmico. O objetivo seria distribuí--lo por três carrinhas alugadas, com um dos suspeitos que foi detido a dizer que um dos alvos era a Sagrada Família. A explosão acidental dos componentes obrigou à mudança de planos da célula terrorista.

A aparente falta de coordenação com as forças nacionais fica também patente no caso do alerta recebido por parte da polícia belga da cidade de Vilvoorde, onde Es Satty viveu no início de 2016, chamando a atenção da comunidade muçulmana local. Um responsável da polícia catalã recebeu um pedido de informação sobre o imã, tendo respondido que este "não era conhecido", apesar de uma pessoa com o mesmo apelido ter sido investigada por ligações terroristas noutra operação - o irmão, Mustafa es Satty, viveu numa casa por onde passaram pelo menos dois terroristas diretamente implicados nos atentados de 11 de março de 2004 em Madrid.

Depois de o ministro do Interior espanhol, Juan Ignacio Zoido, dizer que nem a Guardia Civil nem a Polícia Nacional tinham recebido qualquer alerta acerca do imã, ontem o conselheiro do governo catalão, Joaquim Forn, insistiu que a comunicação foi apenas "informal". E que não foi um alerta, mas um pedido de informações. Antes, o porta-voz do governo catalão, Jordi Turull, acusava o jornal El País (que revelou o conteúdo do e-mail com o pedido de informação) de fazer uma campanha mediática para "desmerecer a brilhante atuação dos Mossos". E criticou que se esteja a tentar misturar os atentados com o processo independentista - o referendo está previsto para 1 de outubro.

Certo é que quando o presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, louvou o trabalho da polícia catalã disse que o sucesso era prova de que os Mossos deviam ter um lugar nas agências internacionais como a Europol - algo que reclamam há muito. Mas há quem fale também numa rivalidade entre as diferentes forças: desde 2010 que os Mossos têm responsabilidades antiterroristas, tal como a Polícia Nacional e a Guardia Civil. Fernando Reinares, especialista em terrorismo no Instituto Elcano, disse à The Economist que os chefes dos Mossos "não permitem que eles interajam normalmente" com as outras forças policiais.

A reunião de ontem na Audiência Nacional serviu para coordenar a investigação, nomeadamente no que diz respeito à parte internacional - os terroristas passaram por Marrocos, França, Bélgica e Suíça. A Polícia Nacional e a Guardia Civil serão as responsáveis pelas diligências com outros países.

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