Merdan Ghappar. O modelo uigur que pôs a nu os centros de detenção chineses

Detido desde janeiro, o jovem de 31 anos enviou à família em fevereiro um vídeo onde surgia algemado a uma cama num centro de Xinjiang. Imagens foram divulgadas no início deste mês pela BBC, com Pequim a alegar agora que a sua prisão é legal.
Publicado a
Atualizado a

Merdan Ghappar está sentado em silêncio na cama. O seu pulso direito está algemado à única peça de mobília num quarto de paredes sujas e malha de aço nas janelas. As suas roupas também estão sujas. Pelos altifalantes ouvem-se informações sobre a história e a política de Xinjiang, região autónoma chinesa que é a pátria dos uigures.

Merdan, um modelo de 31 anos, pertence a esta minoria muçulmana e o vídeo que enviou à família em fevereiro levanta um pouco do véu das condições nos centros de detenção para os quais mais de um milhão de pessoas já foram enviadas para "reeducação".

A BBC partilhou no início do mês as imagens, que terão sido filmadas depois de ele ter tido acesso aos seus bens pessoais. As autoridades chinesas responderam às questões que a estação de televisão pública britânica lhes tinha enviado só agora, defendendo a decisão de deter Merdan.

De acordo com a família, Merdan foi enviado à força para Xinjiang em janeiro, depois de cumprir uma pena de 16 meses de prisão por um crime relacionado com drogas na cidade de Foshan, no Sul da China, onde vivia e trabalhava desde 2009 como modelo para várias marcas de roupa.

Segundo o comunicado do gabinete de imprensa do governo de Xinjiang, enviado à BBC, as autoridades têm o dever de ajudar os antigos prisioneiros a instalar-se. "Durante a transferência, Merdan Ghappar cometeu atos de automutilação e atos excessivos contra a polícia. Eles tomaram medidas legais para o parar e levantaram essas medidas quando o seu humor estabilizou", indicaram.

O comunicado não responde às denúncias feitas por Merdan sobre as condições de detenção. Além do vídeo, Merdan enviou mensagens à família nas quais descreveu os 18 dias que passou acorrentado e encapuzado com outras 50 pessoas na prisão. Indicou ainda que foi depois isolado num centro de prevenção de epidemia, onde filmou o vídeo. Relatou ainda ter ouvido cenas de tortura: "Uma vez ouvi um homem gritar de manhã à noite."

Em vez de ser transferido de volta a Foshan, Merdan foi enviado para a sua cidade natal, Kucha, em Xinjiang. A família diz que se as autoridades queriam ajudá-lo a instalar-se, deviam tê-lo enviado de volta para Foshan, onde tem um apartamento (comprou-o, mas teve de o registar em nome de um amigo da etnia han) e trabalho, e não "enviá-lo à força de volta a Kucha".

A família, que não sabe nada de Merdan desde março, acredita que ele foi transferido para um centro de reeducação, para onde mais de um milhão de uigures já foram enviados desde 2017. A China apelida-os de escolas voluntárias para treino antiextremista. Há histórias de milhares de crianças separadas das famílias à força e de mulheres sujeitas a métodos de controlo de natalidade.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt