Macron desafia Trump e defende diálogo face ao Irão

Presidente da França diz que é preciso encontrar um novo equilíbrio internacional e prometeu colocar o combate às desigualdades no centro da agenda da presidência francesa do G7 em 2019
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Emmanuel Macron abriu o seu discurso na Assembleia Geral da ONU com uma constatação: "Devemos olhar com lucidez para o tempo que vivemos hoje. Vivemos uma crise da ordem liberal vestefaliana. A nossa capacidade de resposta coletiva é, muitas vezes, entravada por divisões no Conselho de Segurança da ONU. Os responsáveis por isto, estão aqui, são os dirigentes que somos todos nós".

Face a isto, o presidente de França, que foi o sétimo chefe do Estado a discursar esta terça-feira em Nova Iorque, propôs três vias. E em todos os temas que abordou houve críticas subliminares à deriva dos EUA desde que Donald Trump chegou à Casa Branca, ao imobilismo, ao conformismo das sociedades e dos governos dos países do mundo.

"A primeira via", enumerou Macron na Assembleia Geral da ONU, é "achar que isto é um parêntesis e que tudo voltará ao normal. Eu não acho. O momento que vivemos não é um parêntesis. Exprime as nossas insuficiências".

"A segunda via é a tentação da lei do mais forte, a do unilateralismo, que nos leva a um confronto de todos contra todos, sem ninguém ganhar, mesmo se no final é o mais forte que acha que venceu. A lei do mais forte não protege ninguém. Nós sabemos que o Irão estava na via de um programa nuclear militar. Mais o que é que o travou? O Acordo de Viena de 2015", afirmou o chefe do Estado francês, defendendo "o diálogo e o multilateralismo" face ao regime de Teerão enquanto, momentos antes, no mesmo, local, Trump apelara ao isolamento do Irão.

"Acredito numa terceira via, sem dúvida a mais exigente, que nos exige encontrar juntos um novo equilíbrio mundial. O novo equilíbrio deve assentar em formas de cooperação regional, respeitando a soberania", declarou o líder francês, falando no caso da Síria. "Não haverá vencedor numa Síria em ruínas. É preciso chegar à paz sob égide da ONU. É preciso construir uma solução coordenada pela ONU, com a colaboração regional.
Não podemos aceitar que os líderes criminosos se mantenham no poder até ao final".

"Acredito na soberania dos povos e, ao mesmo tempo, numa cooperação reforçada de múltiplos tipos. Não deixarei a soberania dos povos nas mãos dos nacionalistas que utilizam a soberania dos povos para atacar a universalidade dos nossos valores. São as desigualdades profundas às quais não soubemos responder que alimentam os nacionalismos e todas estas crises. Nós devemos uma resposta a todos os cidadãos, às crianças que não vão à escola, vítimas de cheias, de seca, às mulheres que não têm acesso à contraceção, que não têm proteção contra a violência doméstica, às pessoas que passam fome, às aspirações dos jovens, que vivem em grande parte em países em vias de desenvolvimento".

Visivelmente irritado, batendo com a mão no púlpito de onde falava, de forma insistente, Macron avisou: "Os que acham que não temos que responder a estas situações apenas estão a preparar as próximas crises". O chefe do Estado francês prometeu, assim, que "a agenda das desigualdades estará no coração da agenda da presidência francesa do G7 em 2019". E constatou: "Não é aceitável não ter as mesmas oportunidades por causa do país em que nascemos ou porque se é mulher. A França vai propor uma coligação para se chegar a uma lei que promova a igualdade entre homens e mulheres".

Emmanuel Macron, que chegou ao Eliseu após lançar o movimento centrista En Marche!, considerou que "é preciso dar a África o seu lugar" pois "é com este continente que precisamos trabalhar para saber se ganhámos ou perdemos a batalha contra as desigualdades".

Ainda no campo das críticas ao unilateralismo e das indiretas ao chefe do Estado norte-americano, o presidente francês garantiu que "a decomposição do Acordo de Paris foi evitada apesar da decisão dos EUA em se retirar". E defendeu uma aposta nas instituições multilaterais também a nível do comércio, em vez de acordos bilaterais, como os que Trump tem procurado fazer desde que chegou ao poder após vencer para os republicanos as eleições presidenciais de 2016.

"Temos que mudar de método, rever as nossas regras, tanto a nível comercial, como social. Devemos restabelecer o poder da Organização Mundial do Comércio em arbitrar diferendos comerciais. É preciso refundar a OMC", sublinhou Macron, antes de acabar o seu discurso.

Obstinado, batendo com o punho no local de onde falava para a audiência, o chefe do Estado francês garantiu: "Sei que muitos podem estar cansados do multilateralismo, numa sociedade em que se dizem as piores coisas nas redes sociais como se nada fosse falar de multilateralismo pode não estar na moda. Mas a mim não me importa estar na moda. Não se habituem a este unilateralismo. Isso é uma traição à nossa história. Eu não me habituarei".

E saiu do púlpito, amplamente aplaudido - e também saudado - pelos presentes.

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