Luta catalã preenche vazio no Parlamento Europeu

Uma manifestação contra o impedimento de três catalães eleitos foi o facto mais marcante no primeiro dia da nona legislatura.
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No interior do Parlamento Europeu cantou-se o Hino da Alegria, e houve deputados que viraram as costas ou que se mantiveram sentados. No exterior, junto à ponte Joseph Bech, cantava-se com emoção e em ambiente festivo. Na manifestação de apoio aos três deputados catalães eleitos mas que não podem tomar assento ouviam-se palavras de ordem como "Visca Catalunya lliure" (Viva a Catalunha livre), mas também se cantava, ora o que as colunas de som debitavam junto ao palco, ora a acompanhar a tradicional dança de roda, a Sardana.

O atípico início da legislatura, na sequência do impasse relativo às escolhas sobre os cargos de topo da União Europeia empurrou a eleição do presidente e vice-presidentes do Parlamento Europeu (PE) para quarta-feira (ou depois), e esvaziou o primeiro dia de trabalhos.

O ainda presidente em funções, Antonio Tajani, lembrou que o PE é "a casa da democracia", mas houve quem discordasse. Vários deputados lembraram a ausência de Carles Puigdemont, Toni Comin e Oriol Junqueras. Um dos poucos eurodeputados que tomaram a palavra - oito, escolhidos por sorteio - lamentou que aqueles catalães não possam estar na assembleia. "Esta câmara tem de lutar pelos direito humanos e tem de dar voz ao povo da Catalunha", disse o irlandês Matt Carthy do Sinn Féin.

Lá fora estava uma parte desse povo - dez mil pessoas, segundo a polícia francesa. "Hoje as ruas de Estrasburgo falam catalão, mas sobretudo falam democrata. Alguns gostariam que as ruas estivessem vazias, caladas, resignadas. Mas nós preenchemo-las, falamos, lutamos. Que os nossos ilustres perseguidores não tenham dúvidas: não nos renderemos", escreveu Carles Puigdemont no Twitter.

"É uma situação fácil de entender, mas difícil de conceder, porque nunca em lado algum o fazem, mas os países têm de reconhecer que o povo catalão luta sem qualquer violência, o mínimo que têm de fazer é ouvir-nos. Não estamos contra ninguém", diz Joan, por vezes completado pela mulher Maria Marcel. O casal veio de automóvel de Lloret de Mar. Já tinham estado numa manifestação em Bruxelas, em dezembro de 2017, e agora estreava-se em Estrasburgo. "Temos de continuar a lutar pela Catalunha, por uma situação tão injusta, em que um povo não se possa exprimir livremente nas urnas. E a reação do governo é pôr na prisão os políticos. E os que não estavam no país tiveram de exilar-se. É inaceitável que uma associação de países como a UE não queira ajudar. A nós resta darmos todo o apoio aos nossos políticos injustamente perseguidos. E resta-nos cantar."

Junqueras, preso, e Puigdemont e Comin, a viverem fora de Espanha para não serem presos, ficaram de fora da lista de eurodeputados validados pelas autoridades espanholas, uma vez que não procederam ao juramento presencial da Constituição de Espanha. O Tribunal de Justiça da UE validou a decisão de Madrid, porque os seus nomes não constavam da lista enviada para as instituições europeias. A presença de Puigdemont e de Comin na manifestação foi assunto de especulação até à última hora. O advogado do ex-presidente da Catalunha, Gonzalo Boye, disse à rádio RAC1 que ambos estavam na Alsácia, entre a Alemanha e a França, mas dada a presença de polícia espanhola junto da ação de protesto acabaram por desistir da ideia.

"Estou aqui a tentar que a Europa nos oiça, que oiça a voz do povo catalão, que não só votou num referendo em 1 de outubro de 2017 para decidir sobre o seu futuro, mas também nas eleições europeias houve mais de 2 milhões de votos em apoio a três candidatos que estão proibidos de exercer o seu mandato", diz Cristina López, de 32 anos, catalã radicada em Nice há 16 anos.

"Primeiro há que reconhecer a inocência [dos políticos] e segundo há que deixar que exerçam os seus mandatos. Isso só se consegue com diálogo e com democracia", diz a ativista de uma associação dos Alpes Marítimos de solidariedade para com os catalães.

Entre vários oradores, a manifestação contou com um breve discurso, em vídeo, por parte do presidente da Catalunha, Quim Torra. "Respeite-se a vontade do povo da Catalunha", exigiu Torra, que se mostrou confiante de que os catalães possam representar os eleitores.

Os dirigentes da ERC Diana Riba e Jordi Solé leram uma carta de Oriol Junqueras. "Estou preso há 607 dias... Transformemos esta prisão injusta e arbitrária numa ferramenta política de uma causa que é legítima e necessária para a Catalunha e para a Europa."

Foi lido um manifesto por eurodeputados de vários países que reivindica às instituições europeias a iniciativa de "promover o diálogo e as negociações entre a Catalunha e Espanha sobre autodeterminação".

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