Isolados do mundo: o que se passa em Caxemira?

Índia suspendeu há um mês o estatuto especial de Jammu e Caxemira, elevando a tensão com o Paquistão. Região de maioria muçulmana vive sob recolher obrigatório.
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O que aconteceu a 5 de agosto?

O governo indiano anunciou nessa segunda-feira a decisão de revogar o estatuto especial concedido a Caxemira há 70 anos, para integrar a região de maioria muçulmana com o resto de país. Para isso, revogou os artigos 370.º e 35-A da Constituição. A tensão, que sempre foi alta, agravou-se em fevereiro, quando quatro dezenas de paramilitares indianos foram mortos num ataque suicida na zona indiana de Caxemira. Nova Deli culpa grupos radicais islâmicos paquistaneses pelo sucedido. Segundo o ministro do Interior da Índia, Amit Shah, a suspensão dos artigos visa corrigir "a injustiça cometida em Jammu e em Caxemira nos últimos 70 anos". O partido nacionalista hindu, BJP, do primeiro-ministro Narendra Modi, é crítico do estatuto garantido à única região de maioria muçulmana da Índia.

O que garantiam esses artigos?

Garantiam um estatuto especial a Caxemira e permitiam que o estado indiano de Jammu e Caxemira faça as suas próprias leis. O artigo 370.º permitia a Caxemira ter a sua própria Constituição, bandeira e independência sobre todos os temas exceto diplomacia, defesa e comunicações. Além disso, o governo decidiu dividir o estado em dois territórios: o de Jammu e Caxemira e o de Ladakh - o primeiro terá um Parlamento e o segundo será governado diretamente pelo governo central. A alteração à lei permite também a revogação da proibição de compra de propriedades em Caxemira por parte de cidadãos que vivem no resto da Índia, prevista no artigo 35-A, o fim da reserva dos empregos governamentais para os residentes, tal como vagas nas universidades.

Como reagiu a população?

Milhares de pessoas têm protestado nas ruas da Caxemira indiana contra a revogação do estatuto especial daquela zona. A Índia começou por cortar comunicações, impor fortes restrições ao movimento de pessoas, impor o recolher obrigatório, começou a haver relatos de escassez alimentar e há raiva, muita raiva, conforme relatou a France24. "Viemos desde a Arábia Saudita para o casamento de familiares e agora cancelaram tudo por causa do recolher obrigatório, devido às circunstâncias que foram aqui impostas pelo governo", disse uma mulher a essa reportagem. "Estamos numa jaula, estamos totalmente separados do resto do mundo. Não sabemos o que se passa lá fora. Não sabemos qual a solução para o nosso problema. Os nossos filhos sofrem. O sistema de educação está em baixo", afirmou outro membro da mesma família muçulmana ao repórter Surabhi Tandon. Dados oficiais citados pela AFP revelaram que 4000 pessoas foram presas desde há um mês. Segundo a Al-Jazeera, pelo menos 350 delas foram detidas à luz de um procedimento que permite a detenção sem julgamento. Os mesmos dados referem que 135 pessoas ficaram feridas, apresentando algumas delas várias marcas de balas de borracha no corpo. No dia 30 de agosto, milhares de pessoas saíram às ruas no Paquistão para protestar contra a política de Nova Deli em Caxemira, respondendo ao apelo que fora feito pelo primeiro-ministro paquistanês Imran Khan.

Como reagiu a comunidade internacional à decisão da Índia?

Nove eurodeputados, incluindo o britânico Phil Bennion, escreveram à chefe da diplomacia da UE, Federica Mogherini, no sentido de os europeus condenarem a decisão do governo da Índia ou se oferecerem como mediadores. "Durante sete décadas o povo de Caxemira provou da forma mais dura o silêncio do mundo. Instamos a que condene imediatamente o uso da violência e exija contenção." A UE reagiu a 8 de agosto ao sucedido, tendo Mogherini telefonado aos ministros dos Negócios Estrangeiros da Índia e do Paquistão, no sentido de se entenderem. No dia 16 de agosto, o Conselho de Segurança da ONU debateu pela primeira vez em décadas Caxemira, embora à porta fechada. O presidente dos EUA, Donald Trump, também apelou à Índia e ao Paquistão que retomem o diálogo, num telefonema com Imran Khan. A China, por seu lado, recebeu o ministro dos Negócios Estrangeiros da Índia, Subrahmanyam Jaishankar. O Irão também pediu moderação entre as partes.

Como nasceram as tensões entre a Índia e o Paquistão por causa de Caxemira?

Quando Índia e Paquistão conquistaram a independência do império britânico, em 1947, alguns reinos semiautónomos tiveram liberdade para escolher de que lado ficar. O marajá de Caxemira, Hari Singh, que era o único hindu à frente de uma área de maioria muçulmana, estava indeciso entre optar pela Índia, pelo Paquistão ou até pela independência e recusou dar a escolha à população. Quando guerrilheiros tribais fizeram a invasão a partir do lado paquistanês, o marajá pediu assistência à Índia, assinando um tratado em que se submetia ao controlo indiano em troca de apoio das tropas do país. Foi a primeira guerra Índia-Paquistão. No tratado ficou acordado que a população manteria direitos especiais para proteger a região, direitos garantidos no tal artigo 370.º. O território de Caxemira é controlado em cerca de dois terços pela Índia (maioritariamente hindu) e em 37% pelo Paquistão (muçulmano, tal como a maioria dos habitantes de Caxemira). As duas potências com armas nucleares do sul da Ásia já travaram duas guerras pelo seu controlo. Uma resolução das Nações Unidas prevê, desde 1948, a organização de um referendo de autodeterminação em Caxemira, que se mantém letra morta face à oposição de Nova Deli.

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