Islamitas contra lealistas à sombra do rei em Marrocos

Em 2011, Mohammed VI reduziu - um pouco - os seus poderes para evitar que a Primavera Árabe contagiasse o reino.
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Nos cinco anos que passou à frente do governo de Marrocos, Abdelilah Benkirane garantiu à Reuters: "Nunca discuti com o rei, é o meu chefe. Na minha cultura islâmica, tenho de lhe obedecer. Mas isso não significa que concordemos sempre desde o início". Hoje, o primeiro-ministro e o seu Partido da Justiça e do Desenvolvimento (PJD, islamita) voltam às urnas num duelo com o Partido da Autenticidade e Modernidade (PAM), que os críticos acusam de ser próximo de Mohammed VI.

Único líder de um partido islamita a ter cumprido a totalidade do mandato sem confrontos, Benkirane venceu as eleições de 25 de novembro de 2011, que se seguiram à aprovação da nova Constituição, em julho desse ano. Esta veio limitar um pouco os poderes do monarca, e é vista como a estratégia que Mohammed VI encontrou para evitar que a Primavera Árabe, que derrubou os líderes de três países da região - Tunísia, Egito e Líbia - contagiasse o reino. Hoje, Marrocos surge como um modelo de estabilidade numa região onde a violência e a instabilidade se tornou a norma.

A mudança na lei fundamental, aliada ao aumento do investimento público e ao reforço da segurança abafaram à nascença a contestação. Seguindo o exemplo do que o pai, Hassan II, fizera em 1998, ao permitir um governo liderado por um socialista, Mohammed VI decidiu aceitar a vitória do PJD e deixar os islamitas governar. Comandante dos Crentes, o rei de Marrocos mantém forte autoridade moral sobre os fiéis.

Analistas ouvidos pela Reuters recordam agora que, passados cinco anos e perante o fracasso dos islamitas do Ennahda na Tunísia (forçados a deixar o poder em 2014, dando lugar a um governo de tecnocratas) e do golpe militar de 2013 contra a Irmandade Muçulmana no Egito, os lealistas ao rei podem agora ter a tentação de afastar o PJD. "O regime usou o PJD em 2011 para sufocar os protestos", explica à Reuters Omar Bendorou, constitucionalista e professor na Universidade de Rabat. "Agora alguns pensam que o partido pode ser uma ameaça se mantiver o controlo".

Em campanha desde 24 de setembro, Benkirane tem recorrido ao charme populista que o levou ao poder há cinco anos, podendo ser visto a gritar slogans e a contar anedotas em Darija, um dialeto local, junto dos eleitores. Num escrutínio boicotado pela esquerda e pelo partido islamita Justiça e Espiritualidade - para os quais o rei ainda detém demasiados poderes -, o PJD tem apostado no eleitorado rural, com paragens em souks e conversas com agricultores, levando até eles a sua mensagem anticorrupção. Tudo para recuperar os votos que valeram aos islamitas a derrota nas municipais de 2015, apesar de terem sido os mais votados nas cidades.

Há cinco anos, quando venceu as legislativas com 27,08% dos votos, o PJD foi obrigado a aliar-se a outros partidos para formar governo. A saída do Partido Istiqlal (nacionalista) em 2013, obrigou Benkirane a fazer uma remodelação.

O sistema político marroquino garante que nenhum partido consegue uma maioria absoluta, forçando os vencedores a negociar com os restantes partidos uma coligação de governo. Uma realidade que acaba por limitar o poder de que ganha as eleições. O primeiro-ministro é escolhido no partido vencedor. Mas, apesar da redução de poderes há cinco anos, o rei continua a liderar o Conselho Judicial, o aparelho de segurança e o conselho de ministros que tem de aprovar as leis. Além disso, cabe à Coroa nomear alguns cargos de relevo, como o ministro do Interior, um tecnocrata com selo real.

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Nos últimos dias, o ministro da Justiça acusou o ministro do Interior de tentar controlar a preparação do escrutínio, chamando a atenção para possíveis fraudes. Alguns responsáveis do PJD denunciaram ainda tentativas de funcionários públicos de promover os candidatos do PAM nas suas circunscrições. O Ministério do Interior rejeitou estas acusações, enquanto próximos do rei garantem que Mohammed VI mantém o distanciamento em relação a todos os partidos políticos. Até mesmo com o PAM, fundado em 2008 por Fouad Ali El Himma, amigo do monarca e hoje conselheiro do palácio real.

Ilyass El-Omari, o atual secretário-geral do PAM, veio também negar que o seu partido esteja a agir em nome do rei. E prometeu que uma das suas primeiras medidas, caso chegue ao poder, será a revisão do programa económico do PJD. Nos últimos cinco anos, os islamitas reduziram o défice, reformaram um sistema de subsídios considerado injusto e congelaram as contratações na função pública. Com as sondagens proibidas desde 9 de setembro, o resultado das eleições de hoje é uma incógnita, mas os media francófonos inclinam-se para a continuação dos islamitas no poder.

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