Ursula von der Leyen pode enfrentar oposição no Parlamento Europeu

A solução para o impasse de vários dias na cimeira europeia pode voltar à estaca zero.
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Os líderes europeus apresentaram ontem os nomes para as lideranças da União Europeia, mas a proposta que coloca pela primeira vez uma mulher à frente do executivo comunitário pode ainda ser reprovada no Parlamento Europeu.

Afinal, o nome da alemã Ursula von der Leyen passou apenas a primeira etapa para chegar ao cargo mais importante do poder executivo da União Europeia. Na próxima fase precisará de ver o seu nome confirmado pela maioria dos eurodeputados na sessão plenária de Estrasburgo, a 16 de julho.

Mas nesta terça-feira, ao longo da tarde, várias vozes entre os membros da família socialista no Parlamento Europeu foram dando a entender que a lista proposta não agrada. Em Berlim também estalou o verniz da cada vez mais frágil coligação de governo, com o SPD do socialista Martin Schulz a manifestar o seu descontentamento em relação ao acordo que afasta a segunda força política mais votada nas eleições europeias dos dois cargos mais importantes no poder institucional na União Europeia.

Ao deixar cair a proposta do nome do socialista holandês Frans Timmermans para a presidência da Comissão Europeia, entregando ao mesmo tempo a presidência do Conselho ao primeiro-ministro do governo de gestão belga, o liberal Charles Michel, os socialistas repetem os cargos de há cinco anos na liderança da Ação Externa e, potencialmente, na presidência do Parlamento Europeu.

No final da cimeira, António Costa vincou que "este processo tem várias fases" e esta "foi só a primeira". "Agora temos de ver qual é a reação", num contexto em que a escolha não recai num dos chamados Spitzenkandidat e confronta o Parlamento Europeu com a decisão, reiteradamente anunciada, de reprovar um nome que não tenha sido apresentado nas listas de candidatos à Comissão Europeia.

"Espero que o Conselho não tenha subavaliado a importância do Parlamento Europeu e da sua capacidade de decisão", advertiu o primeiro-ministro. "Mas, enfim, veremos, a partir de agora o processo segue noutra instância e vamos aguardar", acrescentou, deixando entender que "a solução possível" pode não ser plenamente satisfatória.

"Esta foi a solução possível de obter aqui no Conselho", disse António Costa, referindo-se ao contexto de tensão permanente que obrigou a rasgar os vários rascunhos que estiveram em cima da mesa durante a reta final das negociações, que duraram 19 horas, desde domingo, até serem suspensas na segunda-feira ao início da tarde, e foram retomadas ontem para quebrar um impasse que ainda se manteve por mais nove horas.

A chanceler alemã, Angela Merkel, que esteve sob pressão intensa durante toda a cimeira, acabando por conseguir um resultado que pode ser lido como uma vitória, considerou "importante" a decisão atempada que representa "um sinal de grande unidade, e isso é importante porque se trata da futura capacidade para trabalhar [da UE]".

Sobre a designação da sua ministra da Defesa, Ursula von der Leyen, para a presidência da Comissão Europeia, Merkel considerou "um bom sinal que o cargo seja, pela primeira vez, ocupado por uma mulher".

Porém, tudo pode ainda voltar à estaca zero. "Se o Parlamento Europeu rejeitar as propostas", o Conselho "terá de voltar a pronunciar-se, necessariamente", vincou o chefe do governo português, que durante três semanas foi o líder das negociações, partilhando a representação dos governos socialistas com o presidente do governo espanhol.

Durante as negociações defenderam um modelo que atribuía a liderança da Comissão Europeia ao atual primeiro vice-presidente da Comissão Europeia, o socialista holandês Frans Timmermans. Mas este plano caiu por terra muito por força da oposição de governos de uma ala do Partido Popular Europeu, que expôs as divisões dentro da sua própria família política, à qual pertence Angela Merkel.

"Eu saio preocupado por constatar que uma parte importante dos governos da família do PPE estão reféns do discurso de Salvini e de sua base territorial", disse António Costa, admitindo que deixa Bruxelas, "apesar de tudo, confortado com o facto de verificar que essa minoria consegue bloquear algumas soluções mas não consegue bloquear a Europa no seu conjunto e não impedirá a Europa de seguir em frente".

A rejeição do chamado pré-acordo de Osaka - por ter sido negociado à margem da cimeira do G20, no Japão - deixou os líderes "sem um plano", no final de uma primeira parte da cimeira em que "tudo correu mal", revelando a "incapacidade do Conselho de tomar decisões e de construir soluções que tenham um apoio maioritário, quer no Conselho quer no Parlamento Europeu", disse António Costa, ainda na segunda-feira, visivelmente desgastado pelo arrastar dos trabalhos conduzidos de "forma atabalhoada e caótica" pelo polaco Donald Tusk, que termina no final do ano o mandato de presidente do Conselho Europeu.

A solução que acabou por ser alcançada é seguramente o resultado do trabalho "com nova criatividade", que Merkel prometeu ontem à chegada, ao terceiro dia da cimeira, depois de não ter conseguido defender - perante o grupo dos quatro de Visegrado e de governos como o Italiano ou o croata, incluindo alguns da sua própria família política - o pré-acordo que tinha negociado com os socialistas e liberais, à margem da cimeira de Osaka, no Japão.

O nomeado futuro presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, considerou que "os desafios que temos pela frente são numerosos, imensos", sendo necessária "uma capacidade de diálogo e respeito", pois são "a base e a chave para alcançar compromissos úteis que agreguem valor ao projeto europeu".

"Não tenciono desertar de Portugal"

Pela primeira vez, o primeiro-ministro português revelou que, "sim", foi sondado para os cargos de topo da União Europeia, mas garantiu que o seu "compromisso" é com "os portugueses e com Portugal, e em Portugal nos próximos anos exclusivamente".

Questionado sobre quem o convidou e para que cargo foi proposto, António Costa escusou-se a "entrar em pormenores", pois "já disse o que tinha a dizer várias vezes sobre essa matéria", garantindo que não é sua intenção "desertar de Portugal", já que está "muito empenhado em continuar a fazer aquilo que tem vindo a fazer, como aliás está provado".

O nome de António Costa andou a ser citado como potencial futuro presidente da Comissão Europeia, mas já em maio, na cimeira de Sibiu, na Roménia, fez questão de garantir que não era candidato "a nada", apesar de considerar "muito elogioso" ser apontado como um dark horse na corrida aos cargos de poder em Bruxelas.

"Obviamente que o trabalho a nível da União Europeia faz parte indispensável do desenvolvimento da nossa estratégia. É por isso que temos procurado manter uma posição muito ativa no seio da União Europeia", disse o primeiro-ministro, para quem a participação a nível europeu passa por um contributo com "propostas" ou pela "participação no Eurogrupo".

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