Terroristas torturaram quem não sabia o Alcorão

Nove italianos estão entre os 20 mortos do ataque a um restaurante de Daca. Estado Islâmico reivindicou o atentado
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"Foi um momento horrível. Voltei a nascer, e ainda para mais hoje é o meu dia de anos." Foi desta forma que Diego Rossini, um dos chefs argentinos do restaurante Holey Artisan Bakery-O"Kitchen, contou ao canal de televisão argentino C5N os momentos de terror vividos pelos funcionários e clientes do estabelecimento na noite de sexta-feira em Daca, a capital do Bangladesh. Chegado o anoitecer e a hora do dia em que se pode comer durante o mês do Ramadão, seis homens fortemente armados entraram no restaurante e fizeram refém quem nele se encontrava. O sequestro durou onze horas, obrigou à intervenção de uma batalhão das forças especiais do Bangladesh e acabou com 20 mortos e 13 resgatados com vida.

O ataque ocorreu no bairro diplomático de Gulshan e foi reivindicado pelo Estado Islâmico. Segundo relatos obtidos por vários media, os seis terroristas, depois abatidos pelas forças especiais, torturaram de forma severa alguns dos reféns que não sabiam recitar passagens do Alcorão. "O Islão é uma religião de paz. Parem de matar em nome da religião", disse ontem a primeira-ministra do Bangladesh, Sheikh Hasina, num discurso televisivo em que anunciou dois dias de luto pelas vítimas. "Parem de manchar a nossa religião. Imploro-vos que regressem ao caminho correto e defendam o orgulho do islão", acrescentou a líder, cujo governo foi incapaz de parar uma onda de ataques contra estrangeiros e minorias religiosas. A dirigente, de 68 anos, disse que as pessoas por detrás dos ataques estão a tentar destruir o Bangladesh. "Ao manterem civis inocentes como reféns, sob a mira das armas, querem transformar a nossa nação num Estado falhado."

Entre os 20 mortos há nove cidadãos italianos, sete japoneses, uma norte-americana, uma indiana e dois bangladeshis, segundo relatos de vários media internacionais. Entre os italianos há um pai de dois gémeos de 3 anos ou a mãe de uma menina com a mesma idade. Alguns trabalhavam para empresas ligadas à indústria têxtil, como por exemplo a StudioTex Limited ou a Fedo Trading Ltd, refere o jornal italiano Corriere della Sera. O primeiro-ministro de Itália, Matteo Renzi, disse ter passado toda a noite a acompanhar o desenrolar dos acontecimentos em Daca e referiu-se a uma "perda dolorosa" para o seu país.

Renzi criticou mais "uma tragédia causada pelo extremismo radical de matriz islâmica, o qual continua a derramar sangue de inocentes em todo o mundo". O chefe do governo italiano afirmou que o seu país é "como uma família que sofreu uma perda dolorosa mas que não tem qualquer intenção de dar razão aos que pensam que a destruição de valores é um objetivo ao qual vale a pena dedicar toda a existência". Agora, sublinhou o social-democrata, "nós somos mais fortes". Lembrando também as vítimas italianas dos ataques ao Bataclan em Paris ou ao Museu do Bardo, em Tunes, Renzi acrescentou ainda: "Mesmo que oito mil quilómetros separem a Tunísia e o Bangladesh, o rasto do sangue é o mesmo. Os terroristas querem atacar o nosso dia-a-dia. Nós devemos responder-lhes ainda com mais força e com a afirmação dos nossos valores, os valores da liberdade e da certeza de que somos mais fortes do que o ódio."

Também o Papa Francisco condenou de forma veemente o ataque na capital daquele que é o oitavo país mais populoso do mundo, com 170 milhões de habitantes. "Profundamente triste com a violência sem sentido perpetrada contra vítimas inocentes em Daca, Sua Santidade o Papa Francisco expressa as suas mais sentidas condolências e condena estes atos bárbaros como ofensas contra Deus e contra a humanidade. Ao pedir a Deus misericórdia para os mortos, as orações de Sua Santidade vão para as famílias que estão a sofrer e para os feridos." Assim se lê num telegrama citado pela Rádio Vaticano depois de divulgado pelo secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Pietro Parolin.

Numa altura em que o choque deu lugar às interrogações, o jornalista Ravi Agrawal, chefe da delegação da CNN em Nova Deli (Índia), lançava ontem uma questão no jornal bangladeshi Dhaka Tribune: "Será o Bangladesh o novo hotspot do Estado Islâmico?" No artigo, Ravi Agrawal escreve: "O autoproclamado Estado Islâmico tem reivindicado vários ataques através dos seus meios de comunicação, mas o governo do Bangladesh tem negado insistentemente a presença do Estado Islâmico no país. Outros ataques têm sido reclamados por grupos islamitas locais. A polícia disse que a maioria dos atacantes são suspeitos de pertencer ao grupo Jamaatul Mujahideen Bangladesh, JMB, um grupo islamita que foi banido no país."

No mesmo registo, Julfikar Ali Manik, Geeta Anand e Eric Schmitt escreviam ontem no jornal norte--americano The New York Times que "ataques recentes noutros países, incluindo o de Orlando [nos EUA], são vistos pelos serviços secretos ocidentais como exemplos sangrentos de que o Estado Islâmico, à medida que está a perder território na Síria e no Iraque, tem procurado inspirar missões terroristas noutras partes do mundo". Recentemente, falando ao Yahoo News, o diretor da CIA, John O. Brennan, declarou-se preocupado com a dificuldade em travar o Estado Islâmico fora da Síria e do Iraque. "Estou muito preocupado com o facto de não estarmos a ter tanto sucesso na luta contra o Daesh nestes ambientes como o que temos tido em áreas centrais como a Síria e o Iraque", declarou o responsável, usando o acrónimo árabe para se referir ao Estado Islâmico.

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