PE aprova à justa Ursula: "Vamos todos trabalhar juntos como Europa unida"
O Parlamento Europeu aprovou esta terça-feira à tarde, em Estrasburgo, o nome de Ursula von der Leyen para o cargo de presidente da Comissão Europeia. Mas por curta margem. A atual ministra da Defesa alemã obteve, assim, 383 votos a favor, 327 contra e 22 abstenções, segundo apurou o DN em Estrasburgo. Precisava de pelo menos 374. Será assim, aos 60 anos, a primeira mulher a presidir à Comissão.
Para ser aprovada pelo Parlamento Europeu Ursula von der Leyen, membro da CDU, partido de Angela Merkel que integra o Partido Popular Europeu (PPE), necessitava de uma maioria absoluta. Neste momento, dos 751 eurodeputados, só há 747 eleitos em funções, em Estrasburgo e Bruxelas, uma vez que o dinamarquês Jeppe Kofod foi para ministro dos Negócios Estrangeiros e que Espanha não enviou a lista completa dos eurodeputados espanhóis eleitos, ao alegar que os três nacionalistas catalães Oriol Junqueras (preso), Carles Puigdemont e Toni Comín (fora do país) não juraram a Constituição como é obrigatório em Espanha. Na votação desta tarde, estiveram presentes apenas 733. Houve ainda um voto inválido.
Von der Leyen é, assim, a candidata que mais votos desfavoráveis alguma vez somou. Há cinco anos, o ex-primeiro-ministro luxemburguês Jean-Claude Juncker recebeu 422 votos a favor, 250 contra e 47 abstenções. Mas foi Durão Barroso quem, em julho de 2004, obteve o maior número de votos desfavoráveis, 251. Teve 413 votos a favor. E 44 abstenções. Nessa ocasião vira o Parlamento Europeu rejeitar um dos seus comissários, Rocco Butiglione, por causa de declarações que fez sobre os homossexuais. Quando percebeu em outubro desse ano que a Comissão no seu todo não ia ser aprovada, Itália teve que substituir Butiglione por Franco Frattini, tendo a votação final do colégio de comissários do ex-primeiro-ministro português sido adiada para o mês seguinte. No segundo mandato, em setembro de 2009, Barroso foi reeleito com 382 votos, 219 contra e 117 abstenções. Após adiamento da votação por dois meses. No entanto, importa dizer que o número de eurodeputados nem sempre foi o mesmo e só desde que o Tratado de Lisboa entrou em vigor, em 2009, é que se estabeleceu um teto máximo de 751 (750+o presidente).
Durão Barroso foi o primeiro a reagir, ainda o presidente do Parlamento Europeu, David-Maria Sassoli, não tinha anunciado os números oficiais. "Os meus mais sinceros parabéns e melhores votos a Ursula von der Leyen depois da sua eleição como presidente da Comissão Europeia. Penso que ela tem todas as qualidades de competência política e de compromisso europeu para liderar a nossa Europa", escreveu num tweet o ex-chefe do governo português.
"Senhora Von der Leyen felicito-a pela sua eleição", declarou Sassoli, ao divulgar os resultados de forma oficial, momentos a seguir. E avisou que a fase seguinte, de composição da Comissão, "será de grande escrutínio". Fazendo uso da palavra, Ursula Von der Leyen reagiu em seguida: "Agradeço a confiança que depositaram em mim, numa Europa que vai combater os desafios junta, em vez de combater entre si. O meu trabalho começa agora. Agradeço aos que votaram em mim, mas a minha a mensagem é: vamos todos trabalhar juntos como uma Europa unida e construtiva".
Ursula von der Leyen contava com o apoio do PPE, dos Socialistas e Democratas e do Renovar a Europa. E com os votos contra dos Verdes, dos eurocéticos e populistas do Identidade e Democracia e do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde. Apesar de tudo, não havia disciplina de voto e o voto era secreto, em urna, podendo haver eurodeputados a votar contra o sentido de voto expresso pelas lideranças dos seus grupos políticos. Entre os eurodeputados não inscritos, os italianos do Movimento 5 Estrelas indicaram que apoiariam a candidatura da alemã para o cargo agora ocupado por Juncker.
O apoio dos eurodeputados era uma incógnita, até à hora da votação, dadas as críticas à forma como aconteceu a escolha de Von der Leyen, pelo Conselho Europeu: os chefes do Estado e do governo da UE puseram de lado o processo dos Spitzenkandidaten e optaram por decidir à boa velha maneira europeia, tirando nomes da cartola, à última hora, a altas horas da madrugada, após negociações de bastidores. Os socialistas, que queriam ver o seu candidato, o holandês Frans Timmermans, suceder a Juncker, não gostaram da manobra. Sobretudo os alemães do SPD, que são parceiros da CDU de Von der Lyen e Angela Merkel na Grande Coligação na Alemanha.
Esta votação ocorreu depois de Ursula von der Leyen ter discursado durante meia hora em Estrasburgo, esta terça-feira de manhã. Na intervenção que fez, em inglês, francês e alemão, a ministra da Defesa do governo alemão estabeleceu as suas prioridades: Europa como o primeiro continente livre de carbono, um novo adiamento do Brexit, se preciso for, incluir a violência contra as mulheres na lista de crimes da União Europeia, segundo os tratados, tratar a crise migratória com mais empatia, procurando chegar a um consenso no sentido de promover um Pacto de Migrações e Asilo europeu e um colégio de comissários com paridade total foram algumas das promessas que deixou.
"É preciso falar abertamente sobre a violência contra as mulheres. Uma em cada cinco mulheres já sofreram violência sexual e física na União Europeia e 55% das mulheres já foram alvo de assédio sexual, isto claramente não é só um problema das mulheres. Vou propor que se acrescente a violência contra as mulheres à lista de crimes da União Europeia no Tratado. E a União Europeia deve juntar-se à Convenção de Istambul. Estou convencida de que se minimizarmos as distâncias entre nós, reemergeriremos como uma União mais forte", declarou a alemã, num discurso de cerca de cerca de meia-hora, em que falou em francês, inglês e alemão.
Von der Leyen referia-se ao facto de, com o Tratado de Lisboa, ser possível estabelecer uma procuradoria europeia para um número limitado de crimes por solicitação de pelo menos nove Estados membros. Em 2017, 16 Estados membros decidiram recorrer à figura da cooperação reforçada para criar uma procuradoria europeia para lutar contra a fraude em detrimento da UE, ou seja, investigar e exercer ação penal relativamente a crimes que lesem o orçamento da UE, tais como fraude, corrupção, branqueamento de capitais e fraude transfronteiriça com IVA. Esta procuradoria-geral europeia deverá entrar em vigor em 2020.
A alemã, que é mãe de sete filhos, referiu-se ainda à Convenção para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011, no âmbito do Conselho da Europa (não confundir com Conselho Europeu). A violência doméstica é considerada um autêntico flagelo em vários países. Em Portugal, até final de junho, já tinham sido mortas 16 mulheres.
"Viramos a cara quando há crimes de honra, tribunais da Sharia, segregação e radicalização. Como é que vão usar os vossos cargos para proteger todas as mulheres, qualquer que seja a sua religião", afirmou, numa intervenção emocionada, a eurodeputada Assita Kanko. Natural do Burkina Faso, estudante de jornalismo na Holanda, Assita é sobrevivente de Mutilação Genital Feminina. A viver na Bélgica desde 2004, foi sido eleita pelos nacionalistas flamengos do N-VA, sentando-se na bancada do grupo político eurocético dos Europeus Reformistas e Conservadores.
Além das promessas sobre a luta contra a violência doméstica, a ministra da Defesa alemã exigiu ainda que os Estados membros nomeiam mais mulheres para a próxima Comissão Europeia. "Se os Estados-membros não propuserem mulheres, não hesitarei em pedir outro nome", avisou, desde logo, defendendo um colégio de comissários paritário.
No seu discurso, desta manhã, a candidata à sucessão de Jean-Claude Juncker no Berlaymont comprometeu-se ainda a tornar a Europa o primeiro continente a alcançar a meta da neutralidade carbónica em 2050, indicando que irá apresentar um "acordo verde" nos primeiros 100 dias no cargo.
"O nosso desafio mais premente é manter o nosso planeta saudável. É a maior responsabilidade e oportunidade do nosso tempo. Quero que a Europa seja o primeiro continente neutro em carbono em 2050. Para que tal aconteça, temos de assumir metas mais ambiciosas. O nosso objetivo atual não é suficiente", declarou Ursula Von der Leyen, perante o Parlamento Europeu.
Evocando Simone Veil, a primeira mulher a presidir a assembleia europeia, a política alemã prometeu lutar por uma União Europeia mais justa, em que "ninguém fica para trás", e em que seja a "economia a servir os cidadãos" e não o inverso.
Nesse sentido, Von der Leyen mostrou-se preparada para assegurar um salário mínimo justo em todos os Estados-membros, "uma maior proteção para aqueles que perdem o seu emprego em tempos de crise", e um maior apoio a crianças e jovens, designadamente ao ir ao encontro da ideia do PE de triplicar o orçamento do Erasmus no próximo Quadro Financeiro Plurianual.
A ainda ministra alemã da Defesa tentou seduzir a bancada dos Socialistas e Democratas, comprometendo-se a completar a União de Capitais, a recorrer à flexibilidade do Pacto de Estabilidade e Crescimento e a taxar os gigantes tecnológicos a operar na União Europeia, três das bandeiras defendidas pelos socialistas. Na véspera, através do Twitter, o primeiro-ministro português, António Costa, sinalizou a sua aprovação à candidata alemã, depois de se ter oposto no Conselho Europeu à morte do processo dos Spitzenkandidaten.
Costa, um dos poucos primeiros-ministros de peso que os Socialistas e Democratas ainda têm na UE, disse estar satisfeito com os "compromissos claros" feitos por Von der Leyen em matérias como "o Estado de direito, ambição face à transição para a neutralidade das emissões de carbono, promoção da igualdade de género, solidariedade com os migrantes, desenvolvimento do pilar social e prioridade no combate ao desemprego jovem". O chefe do governo português prosseguiu: "Destaco também os compromissos para aprofundar a UEM (União Económica e Monetária), utilizando a flexibilidade do Pacto de Estabilidade e Crescimento, mas também a união bancária e a criação de um regime de resseguro do subsídio de desemprego como instrumento de estabilização em tempos de crise".
"Não deve haver qualquer compromisso quanto ao respeito pelo Estado de Direito. A Comissão irá defender o Estado de Direito sempre que for atacado", garantiu a candidata alemã, afastando as dúvidas expressas por socialistas e liberais na passada semana, após a ronda de consultas da candidata com os grupos políticos em Bruxelas. Recorde-se que a apoiar o nome de Von der Leyen para a Comissão, em detrimento do do socialista holandês Frans Timmermans (candidato no processo dos Spitzenkandidaten), estiveram nomes como o do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, cujo país integra o chamado Grupo de Visegrado e cujo partido, o Fidesz, se encontra suspenso do PPE (a expetativa sobre se sai ou fica prossegue).
Também no que toca às migrações, Von der Leyen foi perentória: "No mar, há o dever de salvar vidas. E nos nossos tratados e convenções há o dever moral de respeitar a dignidade humana. A UE deve salvar, mas salvar não é suficiente. Temos de combater o crime organizado, melhorar a situação de refugiados".
Para a alemã, a UE precisa de "empatia", pelo que proporá um novo Pacto de Migrações e Asilo. "Temos de modernizar o nosso sistema de asilo, um sistema de asilo comum tem de ser isso mesmo, comum. Precisamos de solidariedade e uma nova forma de partilha de responsabilidade", completou, revelando que há quatro anos acolheu um refugiado sírio, de 19 anos, em sua casa, e que este se tornou "uma inspiração para todos".
O momento mais tenso da intervenção de Ursula Von der Leyen diante dos eurodeputados aconteceu com a referência à saída do Reino Unido da União Europeia, com os britânicos a aplaudirem quando a política alemã lamentou o Brexit e a apuparem quando se mostrou disponível a adiá-lo para lá de 31 de outubro.
"Defendo uma nova extensão [do Artigo 50.º do Tratado de Lisboa], se for pedido, por uma boa razão, esse adiamento. Em qualquer dos casos, o Reino Unido permanecerá um grande aliado nosso, nosso pareceiro e nosso amigo", declarou Von der Leyen, numa altura em que os europeus se preparam para ter como sucessor de Theresa May no N.º 10 de Downing Street Boris Johnson, defensor de um No Deal Brexit. Uma boa razão para um novo adiamento - que a acontecer seria o terceiro - poderia ser um segundo referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE, a convocação de legislativas antecipadas no Reino Unido ou um No Deal Brexit programado e articulado, com tempo para pôr em marcha, de forma séria, os planos de contingência que todos, na UE, têm vindo a anunciar que estão a preparar.
* Com Patrícia Viegas e agências