"Obama foi duro com ilegais, mas não arbitrário como Trump"
Foi graças ao alerta de Otília Macedo Reis, diretora da Comissão Fulbright em Portugal, que soube da presença em Lisboa de uma especialista americana em Migrações, a professora Uma Segal, da Universidade do Missuri. A conversa com o DN decorreu no Alto Comissariado para as Migrações e foi feita antes de Donald Trump mudar de opinião sobre a separação de pais e filhos imigrantes ilegais nos Estados Unidos quando detetados na fronteira
Como cidadã americana e e também especialista em migrantes como vê as imagens de crianças separadas dos pais na fronteira dos Estados Unidos?
É algo em destaque nos noticiários e que me parece horrível. A ideia de separar crianças dos pais é uma violação dos direitos humanos. E li que a primeira dama Melania Trump, que não costuma falar muito, pronunciou-se sobre isto, assim como Laura Bush.
Mas estas medidas tão duras contra migrantes é um fenómeno da era Donald Trump ou já acontecia antes, até na presidência de Barack Obama?
As pessoas costumam pensar que Obama não era muito duro a lidar com a migração ilegal, mas ordenou mais deportações do que possamos pensar. Mas não fez muito esta separação de famílias, penso mesmo que defendia que pais e filhos permanecessem juntos. E isto gerou problemas. Mesmo nos Estados Unidos, há crianças que lá nasceram e por lei se tornaram cidadãos americanos e, no entanto, os pais são ilegais e correm risco de deportação. O debate era o que fazer nestes casos. E é um dilema nunca resolvido. Obama foi duro com imigrantes ilegais, mas não arbitrário como o atual presidente.
Existe hoje clara divisão na opinião pública americana sobre a migração?
Sim. Tal como na Europa, há muitas preocupações exageradas sobre a vinda de gente que quer mudar a cultura do país, tirar o trabalho ou até que vem para ser terrorista. Por outro lado, há muitas pessoas que reconhecem que a sociedade beneficia da chegada de imigrantes. E a verdade é que a maioria das pessoas não emigra para fazer coisas más. A maioria das pessoas emigra para ter uma vida melhor. E estudos mostram que os migrantes geram muito menos crimes do que aquilo que se temia, menos do que a população geral.
Tanto Trump nos Estados Unidos como vários líderes na Europa têm agitado o fantasma da migração maciça para ganhar votos. Mas como diz, do ponto de vista do aumento da criminalidade, mentem. Os políticos estão a jogar com os medos das pessoas?
Absolutamente. Veja como as coisas são. O que Trump tem feito e dito, conjugado com a crise dos refugiados vindos da Síria para a Europa, aproveita os medos das pessoas e de repente, certos sentimentos, que eram escondidos, têm licença para ser ditos. Em todos nós há sempre algum preconceito perante aquilo que desconhecemos. E há muita gente que nunca interagiu com refugiados e, portanto, é suscetível de ver os seus medos serem exagerados. E isto acontece nos Estados Unidos como na Europa. Como é que se pode explicar o Brexit? E os medos são ainda mais fáceis de ser exagerados quando é outra religião que está em causa, como o islão da maioria dos refugiados sírios, e tudo se torna assustador.
Mas no caso da fronteira americana com o México, quem chega na sua grande maioria são latino-americanos, católicos. O que receiam então os americanos? Mudança de cultura?
O problema é a cultura e a língua, porque estes imigrantes são vistos como alteradores do perfil do país. Os Estados Unidos têm sido historicamente um país caucasiano, um país de brancos. Em 2050, por causa da quebra da natalidade dos casais caucasianos e também por via da imigração, se somarmos todas as pessoas de cor - os negros, os castanhos, os amarelos - constituirão uma maioria. E isso é assustador para muitos. Se for até uma zona urbana, encontrará muita multiculturalidade e gente capaz de aceitar a diferença. Mas se for a zonas rurais, onde as pessoas nunca interagem com gente diferente, os medos são grandes.
Olhando para o seu caso pessoal, uma académica nascida na Índia, considera que pertencer à elite facilita a integração nos Estados Unidos?
Estou lá há tanto tempo, desde os tempos da escola secundária [risos]. Acho que sempre me senti totalmente integrada nos Estados Unidos até os ataques terroristas de 2001. Pouco depois disso, quando os meus filhos viajavam, começaram a ser perfilados, o que faz sentido porque fisicamente parecem ser do Médio Oriente. Mas naquele momento percebi que serei sempre uma estrangeira. Há pouco fiz uma palestra na Escócia, mesmo antes de vir com bolsa Fulbright para Portugal, e contei que quando estava nos Estados Unidos sentia-me indiana e quando estava na Índia sentia-me americana. Basicamente, o que acontece é que é difícil uma integração completa, porque temos a nossa cultura, mas tornamo-nos uma pessoa que pode estar em dois locais diferentes sem se sentir só de um deles. Mas estou integrada e sim talvez tenha a ver com a minha profissão. E eu, como pessoa muito preocupada com os imigrantes ilegais cujos direitos são violados, também penso nas pessoas que são imigrantes legais e que tem de esperar anos por um visto.
É muito difícil distinguir entre refugiados e migrantes económicos?
São duas categorias muito diferentes, mesmo que na fronteira seja muito difícil perceber quem é o quê. Se seguirmos a definição da ONU, um refugiado tem de pertencer a um determinado grupo que por causa do seu perfil demográfico, ou da sua religião ou opinião seja perseguido. Se pertence, por exemplo à comunidade LGBT e é perseguido no seu país pode ser refugiado, mas se for vítima de violência doméstica ou de excisão, que é vista como norma cultural, já não tem esse estatuto.
Mesmo quem simpatiza com os migrantes sabe que não se pode deixar entrar toda a gente. Qual é a solução?
Seria uma mulher rica se soubesse a solução [risos]. Cada país tem de definir de que migrantes necessita, quantos pode acolher dada a população. E começo a pensar cada vez mais que é preciso haver algum tipo de compromisso dos migrantes em adaptar-se às normas da sociedade de acolhimento. Não têm de perder cultura, mas tem de integrar-se.