O sindicalista com bigode à Astérix que vai dando água pela barba ao governo

Por estes dias, o verdadeiro líder da oposição é Philippe Martinez, chefe da maior central sindical. Quem é este homem que, revoltado com a nova lei do trabalho, pôs o país na rua a lutar contra François Hollande e Manuel Valls?
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Aprendeu a gostar de sardinhas assadas com os emigrantes portugueses que vivem nos arredores de Paris. Além do petisco luso, entre os fetiches culinários de Philippe Martinez, líder da Confederação Geral do Trabalho (CGT), a principal união sindical em França, figuram também os doces orientais e o chá de menta. O que não lhe cai no goto nem lhe adoça a boca é a nova lei do trabalho. As intenções do presidente François Hollande e do primeiro-ministro Manuel Valls fizeram a azia crescer-lhe no estômago. Ele cerrou os dentes, trouxe o país para a rua em manifestações e greves e transformou-se na principal figura da oposição ao governo.

Atualmente com 55 anos, Martinez chegou à liderança da CGT em fevereiro do ano passado, sucedendo no cargo a Thierry Lepaon. Desde que assumiu o farfalhudo bigode - comparado pelo insuspeito Le Monde àquele que em tempos ornamentava a face do português Artur Jorge, "mítico treinador do PSG" - tornou-se uma imagem de marca que lhe adensa o carisma e que já lhe valeu diversas alcunhas, como Mexicano, Astérix ou Dupond e Dupont.

Francisco Franco e futebol

Nascido a 1 de abril de 1961, nas primeiras horas no berço já era embalado pela ideologia de esquerda. O sangue rebelde herdou-o do pai operário, filho de emigrantes espanhóis, que em 1936 se alistou nas Brigadas Internacionais para combater as tropas do general Franco na Guerra Civil de Espanha. E também o foi buscar à mãe, espanhola de Santander, que partiu para França em busca de um futuro melhor e fez vida como empregada doméstica.

Philippe cresceu nos arredores de Paris, no quarto andar de um prédio de habitação social. Nos jogos com amigos, apesar da meninice, já se intuía o futuro sindicalista. "Quando brincávamos aos índios e aos cowboys ele queria sempre ser índio para ficar no lado dos oprimidos", recorda Raynal Devalloir, camarada de infância, à revista Capital.

Ninguém se espantou, por isso, quando o adolescente Philippe se filiou no Partido Comunista Francês, organização que só viria a abandonar em 2002, alegando "motivos pessoais".

Foi em 1982 que arranjou emprego como técnico metalúrgico na construtora Renault e é aí que se torna delegado sindical da CGT.

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Além dos deveres profissionais e das obrigações sindicalistas, Martinez encontra espaço para outra das suas paixões, o futebol. Passa a fazer parte da equipa da empresa e torna-se um indiscutível entre os titulares. "Sempre gostou de jogar à bola. Era um número 10 à moda antiga", lembra o amigo Raynal. Como adepto, Martinez partilha com Manuel Valls - também ele com ascendência espanhola - a paixão pelo Barcelona. O craque que lhe enche as medidas é Andrés Iniesta.

Com o passar dos anos como funcionário na Renault - ainda hoje continua fiel à marca e conduz um velhinho Scenic - foi-se envolvendo cada vez mais na atividade sindical e em 2008 ascendeu à liderança da federação dos metalúrgicos, uma das mais influentes e a terceira maior no seio da CGT, com 60 mil inscritos.

Aqueles que com ele têm trabalhado ao longo dos anos descrevem-no, acima de tudo, como um combatente aguerrido. "É um homem franco e leal, que não recua perante nenhum obstáculo", refere um antigo colega da Renault em declarações à Capital.

No estilo de liderança, o patrão da CGT - escreve o Nouvelle Observateur - "não se reconhece nem entre os reformistas nem entre os ortodoxos". O que ninguém contesta é que radicalizou a luta, revoltado com a nova lei do trabalho.

O corte com o governo é total e Martinez acredita que a única hipótese de conseguir que o executivo recue pelo menos em algumas das suas intenções é paralisar a atividade económica do país através de greves e bloqueios. As suas ações já obrigaram França a utilizar parte das reservas de combustíveis destinadas a situações de emergência.

Autoritário ou compreensivo?

Há quem o descreva como excessivamente autoritário e intransigente. "Convencê-lo de alguma coisa é missão impossível. Jamais o vi assinar um acordo, nem sequer o das 35 horas", acusa, citado pelo Libération, um dirigente sindical que se cruzou com Martinez em algumas lutas, mas que prefere manter o anonimato. Mas também há quem tenha uma opinião radicalmente diferente. "É um tipo simpático e muito comunicativo. Alguém que sabe ouvir e que aceita ser convencido se os argumentos forem bons", sublinha Gérard Blondel, outro antigo camarada sindicalista dos tempos da Renault, em declarações ao mesmo jornal.

"Podemos rir de tudo, mas não podemos fazê-lo com toda a gente" é uma frase do cómico francês Pierre Desproges que Martinez gosta de citar. É também com humor e com ironia fina que responde quando, em alusão às suas origens, o apelidam de espingouin, um termo pejorativo usado para designar os emigrantes de origem espanhola: "O progresso social é a melhor maneira de combater o racismo."

Apaixonado pela costa da Bretanha e pelos filmes de Almodóvar, o sindicalista com bigode à Astérix jamais usa gravatas. Nem relógio. Mas isso não o impede de perceber que esta é a hora de esticar a corda contra o governo. Com ou sem poção mágica.

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