Mueller: Rússia vai interferir nas próximas eleições

"Remeto para o relatório", "não posso ir além do relatório", "não posso falar sobre isso" têm sido das respostas mais dadas, perante o Congresso, por Robert Mueller, ex-procurador especial responsável pela investigação sobre as interferências russas na campanha das presidenciais de 2016 nos EUA.
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Robert Mueller começou a sua comparência perante o Congresso dos Estados Unidos reafirmando as conclusões do seu relatório de 448 páginas acerca das interferências russas na campanha para as eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos. Assim, o procurador especial reafirmou que "de facto, o relatório conclui que ninguém na campanha do presidente esteve em conluio, colaborou ou conspirou com os russos".

A comparência de Mueller, de 74 anos, começou às 08.30, ou seja, às 13.30 de Lisboa. O ex-procurador especial testemunhou perante a comissão de Assuntos Jurídicos da câmara dos Representantes dos EUA e na comissão de Informações.

Mueller começou por dizer que não tem nada mais a acrescentar ao que está no relatório. "O relatório é o meu testemunho e limitar-me-ei a esse texto". Questionado sobre se Donald Trump se recusou a ser entrevistado pela sua equipa de investigadores, respondeu que sim. Questionado sobre se tentou, sem sucesso, entrevistar o presidente durante um ano, o ex-procurador geral respondeu que sim. Até agora, "remeto para o relatório", "não posso ir para além do relatório" e "não posso falar sobre isso" têm sido das respostas mais ouvidas por parte de Mueller. Além disso, o ex-procurador especial respondeu muitas vezes com apenas uma palavra: "Sim", "Verdade", "Correto".

SIGA AQUI EM DIRETO A COMPARÊNCIA DE ROBERT MUELLER:

"O senhor inocentou totalmente o presidente?", perguntou-lhe o presidente da comissão de Assuntos Judiciários, Jerry Nadler, democrata. "Não", respondeu Mueller, queixando-se nalgumas ocasiões de não estar a perceber bem o que lhe estava a ser dito e a pedir a alguns intervenientes que falem mais devagar. Antes, Nadler perguntou: "De acordo com as política do Departamento de Justiça, o presidente pode ser acusado do crime de obstrução da justiça, depois de deixar o cargo?". Mueller respondeu: "Verdade". Isso não significa, porém, que o ex-procurador-geral tenha dito que Trump deve efetivamente vir a ser processado.

Zoe Lofgren, democrata, da Califórnia, perguntou: "A sua investigação identificou que o governo russo percebeu que beneficiaria com a vitória de um candidato em concreto?". Mueller respondeu que sim. "Que candidato?", replicou a congressista. "Trump", respondeu o também ex-diretor do FBI. James Sensenbrennen, republicano, acusou Mueller de ter levado a investigação por diante "para continuar à pesca", apesar de ter ficado claro que não podia processar um presidente em exercício.

Questionado sobre se algo, no segundo volume do relatório, que é centrado em Trump e na possível obstrução da justiça, pode ser considerado conduta passível de impeachment, Mueller afirmou: "O nosso mandato não vai ao ponto de se debruçar sobre a conduta". Steve Chabot, republicano, afirma que esta é uma estratégia dos democratas para iniciar o processo de impeachment contra o chefe do Estado.

Enquanto a estratégia do democratas é a de pegar em partes do relatório, citando-as, pedindo a Mueller especificações adicionais sobre elas, a dos republicanos é a de criticar todo o processo. E tentar encontrar inconsistências no mesmo.

Num total de 235 democratas na Câmara dos Representantes, há agora 89, pelo menos, que são favoráveis ao impeachment de Trump. Conta a Reuters. Mas segundo a rádio NPR esse número terá subido já para os 93. Os outros esperam para ver o que diz Mueller e se, porventura, houver revelações que permitam envolver o presidente, se os eleitores norte-americanos estariam ao seu lado num eventual processo de destituição.

Nancy Pelosi, a líder da Câmara dos Representantes, que desde novembro é dominada pelos democratas, alertou desde logo que um tal passo pode revelar-se fator de divisão no partido da oposição numa altura em que Trump já lançou a campanha para a sua reeleição em 2020.

Na sala 2141 do edifício Rayburn do Capitólio, apinhada de gente, entre representantes e fotógrafos, vários ecrãs foram exibindo partes do relatório Mueller ao longo da sessão.

"Porque queria o presidente demiti-lo", pergunta Ted Deutch, democrata, a Mueller. "Não posso responder a isso", replicou. Questionado sobre se o Congresso poderá ter acesso a uma versão não censurada do seu relatório, Mueller respondeu: "Não me cabe a mim dizê-lo". E esclareceu que a decisão de não tornar o relatório todo público veio do Departamento da Justiça. O mesmo Departamento de Justiça cujas regras, segundo Mueller, impediram a equipa de investigadores de alguma vez pensar em ter ao seu dispor a opção de acusar o presidente de um crime.

Jim Jordan, republicano, pressiona Mueller devido ao facto de o ex-procurador especial não ter apresentado acusações contra as pessoas que começaram com a versão de que haveria conluio entre Trump e a Rússia. E especificou o caso de Joseph Mifsud, um académico de Malta suspeito de ter servido de elo de ligação entre a campanha de Trump e oficiais russos. "Não estou certo de que concorde com as suas caracterizações", respondeu Mueller, ao eleito pelo Ohio.

Durante o primeiro intervalo, o presidente Trump, que tinha dito antes aos jornalistas que não iria assistir à comparência de Mueller no Congresso, tweetou uma citação do jornalista Chris Wallace, da Fox News. "Isto está a ser uma desgraça para os democratas e um desastre para a reputação de Robert Mueller".

Mas Wallace não é o único com esta avaliação. Paul Kane, jornalista do Washington Post acreditado junto do Congresso, escreveu também no Twitter: "Não poupando palavras: esta está a ser uma má manhã para a multidão pró-impeachment. Eles precisavam de um testemunho corajoso para mudar a opinião do público (e a de Pelosi). Isso ainda não aconteceu, até agora. Faltam ainda muitas horas. Vamos ver".

Apesar de tudo, Cory Booker, um dos mais de duas dezenas de candidatos à nomeação democrata com vista às eleições presidenciais de 2020, disse que "há indícios suficientes para que a câmara dos Representantes dê início ao processo de impeachment contra o presidente". Booker, citado pelo Guardian, falava em Detroit na convenção da Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP).

Após recomeço da sessão, respondendo a uma pergunta do democrata Cedric Richmond, Mueller admitiu que o presidente pediu a falsificação de registos relacionados com a investigação que liderava. "Até agora, é certo dizer que o presidente tentou proteger-se pedindo ao staff que falsificasse registos relevantes para a investigação?", perguntou o representante eleito pelo Luisiana. "Diria que é um bom resumo", respondeu o ex-diretor do FBI.

Ken Buck, republicano, voltou a insistir com a pergunta de se existem elementos para acusar Trump de obstrução à justiça depois de ele sair da Casa Branca. E Mueller voltou a responder afirmativamente."Pode o ser acusado de um crime depois de sair do cargo?", perguntou Buck, eleito pelo Colorado. "Sim", respondeu Mueller. Vários jornalistas notaram, de imediato, que um republicano causou mais dano a Trump nesta audiência de Mueller do que todos os representantes democratas juntos.

Apesar de atualmente se afirmar como apoiante acérrimo de Trump, antes de este ter sido eleito, segundo o Huffington Post, Buck classificou o presidente como uma fraude por causa da sua intenção em banir muçulmanos. "A proposta de Trump viola a Constituição, os valores da nossa nação, do Partido Republicano e a minha consciência. Ele deveria ser eliminado da corrida presidencial. Ele é uma fraude", afirmou o eleito republicano do Colorado.

Em seguida foi questionado pelo democrata David Cicilline sobre se está de acordo com os mil procuradores norte-americanos que dizem que com as provas que existem no relatório, qualquer um, não sendo presidente, seria julgado por obstrução à justiça. Acabou-se o tempo e a resposta ficou no ar.

A política interna do Departamento de Justiça dizem que um presidente em funções não pode ser acusado. A política vem do Office of Legal Counsel (OLC) e data da Administração Nixon. É vinculativa para todos os funcionários do Departamento de Justiça, incluindo Mueller e a sua equipa de procuradores. No relatório, o ex-procurador especial explicou que o facto de ter que obedecer a esta política limitou, a nível interno, as suas deliberações.

Enquanto os representantes iam questionando Mueller, Trump ia fazendo uma espécie de análise anotada, na forma de tweets. "Mueller foi questionado sobre se a sua investigação foi impedida e disse que não. Por outras palavras, NÃO HOUVE OBSTRUÇÃO".

Durante a comparência, quem leu as passagens do relatório foram os representantes democratas e não Mueller. Isto porque a equipa do também ex-veterano da guerra do Vietname avisou as comissões de que ele se recusaria a ler ele próprio passagens do relatório durante a sessão, tweetou Jeremy Herb, jornalista da CNN.

Os republicanos voltam a arremeter contra Mueller por causa de Christopher Steel, ex-agente secreto britânico anti-Trump, insistindo na relação entre o ex-espião e a abertura da investigação sobre as interferências russas. "Não posso falar, está sob investigação", retorquiu o ex-procurador especial.

Na reta final da sessão, Mueller foi questionado sobre uma possível destituição de Trump: É ou não verdade que o seu relatório não conclui pela recomendação do impeachment?", perguntou-lhe o representante republicano Mike Johnson, eleito pelo Luisiana. "Não vou falar sobre conclusões", "Não vou falar sobre esse tema", replicou.

Durante a audiência, Mueller, que é ele próprio do Partido Republicano, negou que tivesse ambicionado o cargo do diretor do FBI durante a Administração de Trump. "O meu entendimento foi [que eu] não estava a candidatar-me ao lugar, mas de que estava a ser questionado sobre o que era preciso para ocupar o lugar. Estive reunido com o presidente... a falar sobre o cargo, mas não foi para me candidatar ao lugar", declarou Mueller, sobre a reunião que teve com Trump em 2017, um dia antes de ser nomeado para liderar a investigação sobre as interferências russas nas eleições de 2016. O escolhido para o cargo, depois de James Comey ter sido demitido, foi Christopher Asher Wray.

No Twitter, Trump deu a entender que Mueller, de facto, queria ser o escolhido para diretor do FBI, cargo que já tinha ocupado entre 2001 e 2013, durante a Administração de George W. Bush e de Barack Obama.

Além de Cory Booker, outros candidatos democratas à presidência dos EUA consideram haver matéria para iniciar o impeachment de Trump. "O povo americano tem o direito a ter acesso ao relatório completo de Mueller, sem estar censurado. O que vimos já é alarmante o suficiente", tweetou Kirsten Gillibrand. "Que comece o processo de impeachment já", tweetou Beto O'Rouke. "É tempo de começar o processo de impeachment", afirmou, também no Twitter, Elizabeth Warren.

Pegando numa pergunta do representante Ted Lieu, democrata, eleito pela Califórnia, bem como na resposta que Mueller lhe deu, a candidata Kamala Harris escreveu no Twitter: "Vou dizer de novo: Robert Mueller basicamente fez referência ao impeachment como no seu relatório. O Congresso tem que responsabilizar este presidente. A câmara deve começar o processo de impeachment".

A comparência de Mueller perante a comissão de Assuntos Jurídicos da câmara dos Representantes durou três horas e meia. O ex-procurador especial foi interpelado pelos 41 membros dessa comissão. Segundo uma contagem da CNN, Mueller evitou responder aos congressistas 111 vezes e remeteu para o relatório 39 vezes. Segundo a CBS News, o ex-procurador especial respondeu com recurso a uma só palavra 101 vezes. O tema da obstrução à justiça por parte de Trump dominou a sessão.

Segue-se a comparência de Mueller perante a comissão de Informações da câmara dos Representantes dos EUA. Nesta, dedicada à interferência russa na campanha para as eleições de 2016, o ex-procurador especial fez-se acompanhar por Aaron Zelby, ex-vice-procurador especial, para o caso de precisar de ajuda para responder. Zelby jurou, tal como Mueller, dizer a verdade. Mas a comissão esclareceu, desde o início, que não o iria questionar a ele.

No arranque da segunda sessão, Mueller fez questão de retificar a sua resposta ao representante Ted Lieu, na comissão anterior. "A razão pela qual não acusou Donald Trump é a diretiva interna da OLC [Office of Legal Counsel] , segundo a qual não é possível acusar um presidente em funções, certo?", perguntou a Mueller o representante democrata Ted Lieu. O ex-procurador-geral respondeu: "Correto". Na retificação, que pode retirar de imediato argumentos aos democratas, o ex-diretor do FBI explicou que a diretiva da OLC o impede de sequer avaliar se Trump deveria ou não ser acusado. "Como dizemos no relatório, como disse no início da audiência, não chegámos ao ponto de determinar se o presidente cometeu ou não um crime".

Questionado sobre se a campanha Trump se congratulou com a interferência russa na campanha, o ex-procurador especial disse que sim. Embora tenha admitido que também a campanha de Hillary Clinton foi beneficiada por contas russas que tentaram influenciar nas redes sociais a campanha para as presidenciais. A WikiLeaks teve acesso a e-mails da rival democrata de Trump na corrida à Casa Branca em 2016, tendo-os divulgado em seguida. Questionado sobre se a campanha de Trump foi delineada por forma a beneficiar das revelações feitas através da divulgação desses e-mails, Mueller respondeu que era afirmativo.

"Que candidato presidencial quis beneficiar a campanha de hacking?", questionou o representante democrata Jim Himes, eleito pelo Connecticut. "O senhor Trump", retorquiu Mueller.

"A sua investigação não é um caça às bruxas ou é?", perguntou o representante democrata Adam Schiff, presidente da comissão de Informações da câmara dos Representantes. "Não é uma caça às bruxas", respondeu Mueller. Instado a dizer se alguém lhe pediu para excluir alguns dos resultados da investigação no seu relatório, Mueller respondeu: "Acho que não", "que me lembre não", mas não é um relatório pequeno".

Trump prossegue a sua interpretação da audiência de Mueller no Twitter. "Gostaria de agradecer aos democratas por terem realizado esta audiência esta manhã. Agora, depois de três horas, Robert Mueller converteu-se num embaraço para o nosso país!".

Jim Himes perguntou ainda. "Temos eleições em 2020. Se uma campanha receber uma oferta desonesta por parte de um indivíduo ou de um governo estrangeiro, falando em termos genéricos, deve a campanha reportar esses contactos?". Mueller retorquiu: "Devia. Pode ser, dependendo das circunstâncias, um crime".

"Não concluiu haver conluio, por esta não ser uma palavra jurídica? Foi por isso que não incluiu a palavra nas suas conclusões?", perguntaram-lhe. "Certo", respondeu Mueller. Sobre as afirmações de Trump no sentido de classificar as alegações de interferência russa como um embuste, Mueller foi instado a dizer se essas afirmações do presidente são falsas. E respondeu: "Verdade".

"É rigoroso que não encontrou provas de que a campanha de Trump ou membros da campanha de Trump esteve envolvida na divulgação dos e-mails?", perguntou o representante Brad Wenstrup, republicano, eleito pelo Ohio. "Não sei", respondeu Mueller, depois de hesitar e de tentar passar a resposta para Aron Zelby. Algo que o membro da Comissão rejeitou. Mueller classificou como "problemática" a participação da WikiLeaks de Julian Assange na interferência nas eleições de 2016. Trump foi citado, várias vezes, a dizer "Adoro a WikiLeaks".

Questionado sobre se membros da campanha de Trump apagaram comunicações ou usaram comunicações encriptadas, como diz o seu relatório, Mueller respondeu: "Acredito que foi esse o caso". E sobre se acredita que a interferência russa foi um caso isolado, o ex-procurador especial retorquiu: "Não foi só uma única tentativa, estão a fazê-lo enquanto estamos a aqui sentados. E vão tentar fazê-lo nas próximas eleições".

Até agora, segundo contagem da CNN, Mueller recusou responder cerca de 82 vezes às perguntas dos representantes da comissão de Informações da câmara dos Representantes. Quase sete horas depois de ter entrado na câmara dos Representantes, o ex-procurador especial terminou o seu testemunho.

O advogado de Trump, Jay Sekulow, também desferiu duras críticas a Mueller e à sua investigação. "O testemunho revelou que esta investigação foi conduzida por um pequeno grupo politicamente enviesado, o qual tentou, o mais que pôde, estabelecer uma construção, uma conspiração, um conluio entre a campanha de Trump e a Rússia. O povo americano compreende que esta questão está terminada. Eles também sabem que o caso está encerrado".

"A VERDADE É A FORÇA DA NATUREZA!", tweetou, após encerramento da audiência, o presidente Trump.

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