Dois mortos, desertores, camião incendiado e Maduro "firme"
Ao longo do dia, enquanto a tensão subia na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela, onde o autoproclamado presidente interino Juan Guaidó e os seus apoiantes tentavam fazer entrar a ajuda humanitária internacional no país, pelo menos 23 polícias e militares venezuelanos decidiram desertar, deixando de apoiar o regime de Nicolas Maduro. Os números são de Migración Colombia e apontam para mais dez do que um balanço inicial.
Respondiam assim ao pedido de Guaidó para que os militares do seu país se coloquem "do lado certo da história".
A partir da Colômbia, o presidente interino apelou a que "não haja violência neste processo" de ajuda humanitária e pediu ao Exército venezuelano que deixe passar os camiões de ajuda humanitária internacional.
Mas segundo a Reuters, registaram-se mesmo dois mortos só que na fronteira entre a Venezuela e o Brasil, junto ao local onde na véspera confrontos já tinham feito outras duas vítimas mortais.
Os confrontos mortais tiveram lugar em Santa Elena de Uairén.
Por volta das 16.00 anunciou mesmo no Twitter que o primeiro camião com ajuda proveniente do Brasil já tinha entrado. "Anunciamos oficialmente que a primeira remessa de ajuda humanitária já entrou pela nossa fronteira com o Brasil", escreveu a partir da cidade colombiana de Cúcuta onde assistiu à partida dos camiões.
Mas a informação acabou por não ser confirmada. Segundo a agência Lusa dois camiões com ajuda internacional dos governos brasileiro e norte-americano ainda se encontram do lado brasileiro da fronteira com a Venezuela, em Pacaraima. "Estamos aguardando para passar a ajuda humanitária. O povo precisa. Os venezuelanos estão precisando disso hoje", disse a deputada da oposição venezuelana, Yuretzi Idrogo. Entretanto, dezenas de venezuelanos aguardam na fronteira do Brasil com a Venezuela, à volta de dois camiões com bens alimentares e 'kits' de material médico e medicamentos.
Na fronteira com a Colômbia, parece que os camiões foram bloqueados pelas autoridades do governo de Nicolás Maduro. "O regime usurpador está a impedir a sua passagem", escreveu Guaidó.
Na fronteira, a tensão ia subindo ao longo da tarde, com as pessoas a tentar saltar as barricadas para passar de um país para o outro e a ser repelidas pelos militares venezuelanos com gás lacrimogéneo e balas de borracha.
Imagens da televisão venezuelana mostravam pelo menos um camião em chamas, enquanto algumas pessoas tentavam retirar as caixas de ajuda - alimentos e medicamentos - de outro veículo na ponte Francisco de Paula Santander.
Na capital do país, os manifestantes prestam apoio a Nicolás Maduro, que se juntou à população, enquanto a oposição se concentra para pedir a entrada de ajuda humanitária na Venezuela.
"A Venezuela está nas ruas, mobilizada, porque estamos a lutar pela paz. Ou vocês querem que volte a violência? Estamos a batalhar pela paz, mas pela paz com independência, com justiça e igualdade social. Paz com dignidade nacional. É uma luta pela dignidade da Venezuela contra quem quer que nosso país se ajoelhe perante os gringos, perante a oligarquia decadente da Bolívia", disse Maduro, citado pelo El País. E acrescentou: "Não é tempo de traição".
Nas declarações aos manifestantes, Maduro chamou "presidente marionete" a Juan Guaidó e questionou quais as razões pelas quais ainda não tinha convocado eleições, uma vez que, se tinha o poder, devia tê-lo feito dentro de 30 dias, "como manda a Constituição" venezuelana.
"Estou mais firme que nunca, em pé, governando nossa pátria agora e por muitos anos", garante Nicolás Maduro, desafiando Guaidó a convocar eleições. "Vamos ver quem tem votos e quem ganha eleições nesse país!", afirmou.
Numa longa intervenção, Maduro teve ainda tempo para anunciar o corte de relações com a Colômbia. "A paciência chegou ao fim. Não aguento mais. Não podemos aceitar que o território colombiano esteja a ser usado para atacar a Venezuela", afirmou, dizendo ainda ter expulso o pessoal diplomático colombiano do país.
Mas segundo Luis Almagro, o secretário geral da Organização dos Estados Americanos, Maduro não pode cortar relações com a Colômbia, uma vez que não é o presidente legítimo.
O presidente Maduro disse ainda que aceitará uma oferta da União Europeia para introduzir "legalmente" ajuda humanitária no país. Começou por explicar que tem grandes diferenças com a UE, mas que aceita a ajuda, com coordenação da ONU.
"A UE, com quem temos grandes diferenças, mandou uma comissão de diálogo, que foi recebida pelo ministro de Relações Exteriores (Jorge Arreaza) e a vice-presidente executiva (Delcy Rodr Rodriguez), e nos fez saber que estavam na disposição de dar assistência e apoio humanitário à Venezuela, legal e formalmente", explicou. "Estão (outros) a bloquear-nos os medicamentos, e entregámos-lhes a listagem completa de medicamentos. Estão a bloquear-nos os alimentos, e entregámos-lhes uma lista com as necessidades", detalhou Maduro.
"E dissemos-lhes: vamos coordenar com a ONU para ver se vocês cumprem com a oferta. Tudo o que enviarem, a Venezuela vai pagar, porque não somos mendigos de ninguém. Que cheguem aos nossos portos, de maneira legal. Aceitamos", frisou.
Entretanto, Juan Guaidó voltou a usar o Twitter para acusar Maduro de estar a cometer "um crime contra a humanidade". "Continuamos a receber o respaldo da comunidade internacional, que pôde ver, com os seus próprios olhos, como o regime usurpador viola o protocolo de Genebra, onde se diz claramente que destruir a ajudar humanitária é um crime contra a humanidade", escreveu.