Da Holanda à Coreia do Norte. Como os Mercedes de Kim Jong-un escapam às sanções

Segundo uma investigação do Centro de Estudos Avançados de Defesa (C4ADS) e do 'The New York Times', pelo menos 90 países forneceram bens de luxo à Coreia do Norte entre 2015 e 2017, escapando às sanções das Nações Unidas.
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Em 2006, as Nações Unidas impuseram sanções para travar a exportação de produtos de luxo para a Coreia do Norte. Mas isso não impediu o líder norte-coreano, Kim Jong-un, de se deslocar por Singapura ou Hanói, palco das cimeiras com o presidente norte-americano, Donald Trump, em Mercedes-Benz que levou de avião de Pyongyang. Um Maybach S62 e um S600 Pullman Guard, que custam entre 500 mil e 1,6 milhões de dólares. Cada um. E esses são só os produtos visíveis.

Segundo uma investigação do Centro de Estudos Avançados de Defesa (C4ADS) e do The New York Times, pelo menos 90 países forneceram bens de luxo à Coreia do Norte entre 2015 e 2017 no valor de, no mínimo, 191 milhões de dólares -- com as estimativas a poder contudo chegar aos cinco mil milhões de dólares. Os produtos passaram por países como China, Rússia, Japão ou Coreia do Sul. Por uma rota através da qual Pyongyang também consegue importar tecnologia de uso duplo que pode ser usada no seu programa de armas nucleares.

"A Coreia do Norte adquire bens de luxo de alta qualidade através das mesmas redes no exterior que outros contrabandos. Isso significa que detetar e apreender os bens de luxo pode ser uma forma de agir contra as principais operações do regime de Kim noutras áreas", lê-se na investigação.

Os produtos chegam a Pyongyang através de um complexo sistema de transferências portuárias e empresas de fachada. "No que diz respeito à evasão de sanções, a Coreia do Norte depende de um grupo pequeno mas sofisticado de indivíduos de confiança que transportam qualquer bem pedido pelo Estado, quer sejam bens de luxo ou componentes para mísseis", disse Neil Watts, ex-membro do painel da Nações Unidas para a imposição de sanções à Coreia do Norte.

Segundo o C4ADS, o Mercedes S600 começou a sua viagem no porto de Roterdão, na Holanda, em junho de 2018. Estava na posse da China Cosco Shipping Corporation, tendo viajado durante 41 dias até Dalian, no nordeste da China. Ficou no porto até 26 de agosto, quando entrou num novo navio com destino a Osaka, no Japão. Dali, foram para Busan, na Coreia do Sul. No dia em que chegou, foi transferido para um navio com bandeira do Togo com destino à Rússia, estando sob o controlo da Do Young Shipping, registada nas Ilhas Marshall.

Assim que o navio partiu, o sistema automático de identificação deixou de transmitir -- durante 18 dias. Quando voltou a ser detetado, estava em águas sul-coreanas, carregado de carvão, que seria transportado para o porto de Pohang, na Coreia do Sul. O carvão tinha sido carregado no porto russo de Nakhodka. Sem certezas, o C4ADS diz que os carros podem ter sido transportados de avião da Rússia para a Coreia do Norte -- há vídeos de três aviões de carga norte-coreanos (os mesmos que são usados para transportar os carros de Kim quando este viaja para fora da Coreia do Norte) a chegar a Vladivostok em outubro.

A Daimler, companhia que é detentora da marca alemã Mercedes-Benz, garantia em abril não sabia como é que Kim Jong-un podia estar a deslocar-se nos seus veículos blindados. Ouvida pela AP, uma porta-voz da Daimler, Silke Mockert, admitiu que "não fazemos absolutamente ideia nenhuma de como é que aqueles veículos foram entregues na Coreia do Norte". E acrescentou ainda que "para a Daimler, a correta exportação de produtos em conformidade com a lei é um princípio fundamental da atividade empresarial responsável".

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