A Dama de Ferro de Hong Kong que tem os dias contados
Os pedidos de desculpa e as explicações da líder do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, sobre uma lei da extradição condenada ao fracasso não foram o suficiente para reduzir a tensão política e a sua saída do cargo é vista por muitos na cidade governada pela China como apenas uma questão de tempo.
No dia 9 Lam descreveu a lei como estando morta. Esta permitiria às pessoas de Hong Kong, que muito prezam o Estado de direito, serem enviadas para a China Continental sem julgamento, abrindo caminho à confiscação dos seus bens.
Apesar disso, ativistas e manifestantes dizem que não confiam nas palavras dela, tendo acentuado as suas exigências no sentido de ela retire oficialmente a lei e se demita do chefia do Executivo de Hong Kong.
E prometem tomar mais medidas depois de de semanas de protestos violentos nas ruas, os quais mergulharam a cidade na sua pior crise desde que os britânicos a devolveram ao domínio chinês em 1997.
Enquanto isso, Lam, uma espécie de Dama de Ferro, que insiste em permanecer no poder, tem feito discursos que alimentam as especulações sobre o facto de estar realmente a pensar deixar o cargo.
Quando confrontada com os pedidos de demissão, dois aos depois de ter assumido um mandato de cinco. Lam respondeu que "não é assim tão simples um chefe do Executivo demitir-se".
"Eu ainda tenho a paixão de servir o povo de Hong Kong", disse.
Para alguns analistas, a declaração de Lam foi um sinal de que está pronta para apresentar a demissão. Mas Pequim só a deixará ir quando achar que é a altura certa.
"É mais complexo do que a maioria das pessoas assume... não podes simplesmente desistir do que gostas e sair, no que toca a lidar com Pequim", afirma o cientista político e comentador Sonny Lo.
Os líderes de Pequim, diz ele, têm de avaliar os riscos regionais e encontrar um substituto - o que não é tarefa fácil, uma vez que se trata de um cargo que é visto como um presente envenenado e que consiste em tentar encontrar um equilíbrio entre as liberdades que são tão caras para Hong Kong e os instintos autoritários do Partido Comunista.
Segundo o acordo de devolução com os britânicos, Hong Kong pôde reter várias liberdades que não existem na China Continental, à luz da fórmula "um país, dois sistemas", como por exemplo um sistema judicial independente e o direito ao protesto.
Pequim pode querer que Lam repare, pelo menos, os danos causados pelo fiasco da lei da extradição, antes de passar o testemunho a um sucessor. Mas também deverá querer que ela saia antes das eleições para o Conselho Legislativo, em setembro do ano que vem, pensa Sonny Lo.
O campo pró-Pequim de Hong Kong está a mostrar sinais de divisão por causa do falhanço de Lam em levar adiante a lei da extradição, algo que suscitou críticas vindas de dentro dos círculos do establishment.
No curto prazo, alguns diplomatas e analistas acreditam que Pequim não vai querer danificar ainda mais a imagem de "um país, dois sistemas" antes das eleições presidenciais em Taiwan [em 2020].
Os líderes de Pequim começaram a divulgar novamente a ideia de "um país, dois sistemas" como modelo para Taiwan, a qual consideram uma província rebelde. Mas Taiwan rejeita essa oferta.
Ming Sing, professor associado na Universidade de Ciências e Tecnologias de Hong Kong, disse acreditar que Pequim não está a permitir que Lam se demita.
"Se ela se demitir agora, se ela for obrigada por Pequim a demitir-se, isso enviaria um sinal muito forte a Hong Kong e à comunidade internacional. No sentido em que Pequim, o regime de partido único mais autoritário do mundo, iria estar a ceder à pressão popular", afirma.
Mesmo assim, alguns analistas e diplomatas notam que Lam já conseguiu danificar a agenda de segurança nacional do presidente da China, Xi Jinping, ao tornar mais difícil a introdução de novas leis relacionadas com a segurança em Hong Kong e ao reforçar as exigências de mais reformas democráticas.
Fernando Cheung, advogado de Hong Kong, disse à Reuters que Lam é, neste momento, um patinho feio, que não conseguirá levar o seu mandato até ao fim.
"A forma como o governo e a chefe do Executivo lidaram com esta revolta do público também fez com que muitas pessoas ganhassem consciência de que, sem democracia, não há esperança de ter um governo responsável", afirma o legislador do Labour. "Uma vez ganha essa consciência por parte das pessoas, não há volta a dar".
Com cartazes de protesto a dizer "Carrie Sangrenta" ou "Hong Kong vendido", com a sua popularidade em mínimos nunca atingidos por nenhum outro líder, as últimas semanas marcaram um ponto de viragem na sorte da líder que assumiu funções com promessas de união para a cidade.
Para muitos, o seu destino, neste momento, traz à memória o de Tung Chee-hwa, o primeiro chefe do Executivo de Hong Kong após a transição. Tung ofereceu a sua demissão, de forma imediata, depois de meio milhão de pessoas terem saído às ruas em 2003, em protesto contra as novas leis de segurança nacional propostas, que acabaram também na prateleira.
Foi preciso esperar mais dois anos, até metade do seu segundo mandato, para que ele saísse, de facto, do cargo. "Ir embora é fácil", disse ele, na altura. "Ficar é muito mais difícil".
* Jornalistas da agência Reuters