Incel, quando o ódio às mulheres sai da Internet e se transforma em violência
"Isto é literalmente o que eu andava a pedir, finalmente alguém a quebrar a norma", escreveu BlkPillPres, um dos utilizadores mais ativos do site Incels.me, logo a seguir ao ataque de Toronto na segunda-feira. A ligação entre Alek Minassian, que matou dez pessoas por atropelamento, e o movimento Incels foi descoberta na conta de Facebook do homem de 25 anos, onde tinha sido publicada uma mensagem que se referia à "rebelião dos incels." Este termo designa os celibatários involuntários, homens que não conseguem ter relações românticas nem sexuais com mulheres e estão espalhados por várias plataformas na Internet. Algumas comunidades de incels celebraram o ataque de forma grotesca, sendo as publicações no site Incels.me as mais problemáticas.
Para entender esta linha de pensamento, é preciso distinguir os incels dos restantes trolls que traficam em sexismo, misoginia e "direitos dos homens" online. Os celibatários involuntários nutrem um ódio visceral pelas mulheres, a quem chamam "femóides" - uma forma de demonstrar a sua classificação sub-humana - e a quem atribuem responsabilidade pela sua infelicidade. O tema comum é que as mulheres são seres manipuladores que apenas se interessam por beleza e dinheiro e rejeitaram estes incels desde muito cedo, condenando-os a uma virgindade indesejada. Acreditam que as mulheres têm a obrigação de os satisfazer sexualmente, o que torna a ideia de violação comum nas discussões. Existe também um saudosismo de eras anteriores, nas quais a liberdade das mulheres era limitada e os casamentos arranjados ou forçados, por oposição à capacidade de escolha que existe hoje. Este pensamento desemboca numa revolta contra os homens que são sexualmente ativos com mais que uma parceira.
É daqui que vêm os termos associados aos incels e referidos por Minassian: as Stacys são mulheres inatingíveis, os Chads são os homens que conseguem dormir com elas e os Normies são as pessoas normais que têm relacionamentos umas com as outras, a sociedade em geral.
No Incels.me são discutidas novas formas de ataques dirigidos às Stacys, com sugestão de envenenamentos, atropelamentos e uso de ácido. "Acho que descobri o meu modo de operação se me tornar num violador", escreveu BlkPillPres, descrevendo um método de violação seguido de desfiguração da vítima com ácido. "É duplamente mais devastador psicologicamente, a última pessoa que desfrutou da sua beleza fê-lo à força", explicou. "O que mal posso esperar, aquilo que vai realmente lixar os Normies e punir a sociedade, é quando acontecer a primeira violação em massa", disse noutra publicação. A agenda é aterrorizar as femóides e punir os Chads. São vários os casos em que incels passaram das palavras aos atos, desde George Sodini, que em 2009 matou três mulheres num ginásio, a Elliot Rodger, o mais conhecido incel que matou seis pessoas em 2014 e Chris Harper-Mercer, que matou nove pessoas num tiroteio em 2015. A auto depreciação física é comum entre incels, que normalmente não aceitam a possibilidade de o problema da rejeição estar no seu comportamento social e não no grau de beleza. Nenhum dos atacantes tinha qualquer problema de aspeto físico.
"Podemos caracterizar este discurso como discurso de ódio anti-mulheres", explica ao DN o diretor do Centro para a Prevenção da Radicalização que leva à Violência, Herman Deparice Okomba. "Estes discursos enfatizam uma certa interpretação tradicional do papel da mulher", acrescenta, sublinhando que tal visão não é prevalente apenas entre incels; há uma conceção idealizada de masculinidade que é associada a força, poder e controlo. O diretor do centro, sediado no Canadá, adianta que "as ideias dos incels têm algumas coisas em comum com a extrema direita ou mesmo a ideologia jihadista." Ou seja, analisa o especialista, "a legitimização da violência sexual é uma forma de retomar o controlo."
Apesar da pouca atenção que lhe foi devotada no mainstream, o fenómeno vem sendo seguido por alguns. Angela Nagle publicou "Kill All Normies" em julho passado, documentando a guerra cultural que trouxe ao de cima o pior da Internet. O blogue We Hunted the Mammoth está há vários anos a monitorizar e denunciar a "raiva masculina" em que se baseia, em certa parte, este movimento.
Mas foi em novembro passado que os incels foram parar às manchetes, quando o site Reddit baniu o seu subgrupo por infração dos termos de serviço; tinha 40 mil membros ativos. Entretanto, surgiu um novo subgrupo mais moderado, Braincels, que inclusive assegura não apoiar o ataque de Toronto. Na plataforma há também contra subgrupos de monitorização, como é o caso do IncelTears.
"Nunca há qualquer desculpa para a violação", afirma ao DN John Erickson, presidente da organização feminista Hollywood NOW. "As organizações, grupos ou indivíduos que promovem violência contra as mulheres não têm lugar no mundo da justiça social." A Hollywood NOW tem protestado contra a demora nos testes aos kits recolhidos das vítimas de violação, que considera ser "uma afronta" a quem aguarda justiça. O que os especialistas receiam é que o movimento incel, normalizando a violação, leve à radicalização de alguns dos seus membros e origine ataques com maior frequência.
"O 4chan e o Reddit precisam de ser um dos focos das autoridades", disse Judith Taylor, professora de Sociologia na Universidade de Toronto, numa entrevista televisiva ao canal CBC News. A especialista referia-se a duas das plataformas onde alguns dos movimentos online mais radicais (como a alt-right) têm crescido e onde os celibatários involuntários estão em grande número. Taylor explicou que a análise dos perfis destes celibatários devolve um padrão: homens com baixa educação, sem emprego, que não procuram formação, isolados do mundo real.
"Os pais, professores e potenciais empregadores veem o seu comportamento errático mas ninguém pensa que é sua responsabilidade chamar a atenção para isso", referiu. O perigo é justificar o comportamento com a sensação de injustiça dos incels, algo que Taylor rebate: "Muitas pessoas passam por solidão e rejeição e não resolvem isso com assassinatos."
Herman Deparice Okomba sublinha que a prevenção é importante e isto tem de incluir o reconhecimento de que os discursos misóginos "continuam a ser trivializados na nossa sociedade", tendo como resultado pouca sensibilidade aos seus efeitos. "Ao longo do tempo, houve um processo de radicalização ideológica em torno da misoginia", concretiza o especialista, "durante o qual emergiram vários tipos de discursos que legitimam a violência e que podem ser descritos como pró-violação."
Em Los Angeles