Fukuyama afirma que modelo chinês pode ser alternativa viável ao liberalismo

Modelo autoritário da China pode ser uma alternativa à democracia liberal, afirmou o cientista político. Depende da capacidade do Governo de Pequim em controlar tensões sociais e manter a estabilidade económica.

O modelo autoritário da China pode ser uma alternativa à democracia liberal, afirmou o cientista político Francis Fukuyama, conhecido por prever o triunfo do liberalismo político e económico após o colapso da União Soviética.

O autor de o Fim da História e o Último Homem, um best-seller no ramo das Relações Internacionais, ressalva, no entanto, que o sucesso do modelo chinês depende da capacidade do Governo em controlar tensões sociais e manter a estabilidade económica.

A análise de Fukuyama foi publicada, esta semana, no portal oficial do Instituto Global da Ásia, da Universidade de Hong Kong.

O debate sobre se o modelo chinês pode servir como alternativa viável à democracia liberal intensificou-se ao longo da última década, à medida que a China avança para se tornar na maior economia do mundo e reconfigurar a ordem mundial.

A governação do Partido Comunista é um "princípio cardeal", apesar de o país permitir a iniciativa privada. Os setores chave da economia são também dominados pelas firmas estatais.

A análise de Fukuyama foi divulgada por Yoshikazu Kato, professor adjunto do Instituto Global da Ásia, num documento que resume vários emails trocados entre os dois, desde 2014 até ao ano passado.

O norte-americano de ascendência japonesa admitiu que as suas teses anteriores estão a ser desafiadas pela China. "A questão é se o sistema é sustentável a longo prazo", ressalvou. "Há várias razões para pensar que não, começando pelos desafios em lidar com as enormes tensões sociais que surgiram como resultado da modernização", apontou. "Mas caso a China consiga gerir essas tensões e permanecer forte e estável por mais uma geração, então acho que há, de facto, uma alternativa real à democracia liberal", notou.

"Caso a China consiga gerir essas tensões e permanecer forte e estável por mais uma geração, então acho que há, de facto, uma alternativa real à democracia liberal"

Nos últimos 30 anos, a outrora pobre e isolada China, converteu-se numa potência capaz de disputar a liderança global com os Estados Unidos.

Desde a crise financeira global de 2008, enquanto as economias desenvolvidas estagnaram, o país asiático construiu a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo, mais de oitenta aeroportos ou dezenas de cidades de raiz, alargando a classe média chinesa em centenas de milhões de pessoas.

Acompanhando este desenvolvimento, Pequim passou a assumir o desejo de se aproximar do centro da governação dos assuntos globais e de competir nos setores de alto valor agregado.

O presidente chinês, Xi Jinping, que assumiu o poder em 2013, prometeu já restaurar o estatuto do país como grande potência, até 2049, o centenário da fundação da República Popular.

Fukuyama explicou que é improvável que os países possam recriar completamente o modelo chinês, especialmente o seu autoritarismo, já que alguns aspetos da sociedade chinesa não podem ser assimilados, incluindo a "meritocracia, a hierarquia disciplinada do partido, o respeito pela educação e, acima de tudo, um entendimento entre os governantes de que têm uma certa responsabilidade em agir no interesse público".

O cientista político relata um encontro que teve, em 2015, com Wang Qishan, então responsável pela Comissão Central de Inspeção e Disciplina do Partido Comunista Chinês (PCC) e agora vice-presidente da China.

O académico perguntou a Wang se Pequim poderia adotar um Estado de Direito independente do partido. A resposta foi "absolutamente que não". Sem a capacidade de limitar o poder dos seus líderes, no entanto, a China fica sujeita aos excessos de um "mau imperador", lembra Fukuyama.

"Num sistema com um estado forte, mas sem um Estado de Direito ou democracia, um bom imperador pode implementar as suas políticas com mais rapidez do que numa democracia liberal"

"Num sistema com um estado forte, mas sem um Estado de Direito ou democracia, um bom imperador pode implementar as suas políticas com mais rapidez do que numa democracia liberal", disse. "Mas um mau imperador pode causar muitos mais danos num sistema assim do que num com equilíbrio de poderes", acrescentou.

Desde que assumiu a liderança da China, Xi tornou-se o centro da política chinesa e é hoje considerado um dos líderes mais fortes da história recente do país, comparável ao fundador da República Popular, Mao Zedong.

No ano passado, Xi conseguiu abolir o limite de mandatos para o seu cargo, enquanto a sua campanha anticorrupção puniu já mais de um milhão e meio de funcionários do PCC. Além de combater a corrupção, a campanha tem tido como propósito reforçar o controlo ideológico e afastar rivais políticos, com as acusações a altos quadros do regime a incluírem frequentemente "excesso de ambição política" ou "conspiração".

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