França "não acabou com o terrorismo. O combate é longo"

Hollande prolonga estado de emergência. Valls recusa críticas à polícia. 231 mortos em atentados no país desde início de 2015

No espaço de menos de 12 horas o presidente francês anunciou o fim do estado de emergência no seu país e o prolongamento do mesmo durante mais três meses. Entre um anúncio e outro, mais um atentado terrorista, desta vez em Nice, cidade turística da Riviera Francesa. O balanço do ataque levado a cabo por um tunisino com um camião frigorífico no feriado do 14 de Julho é de 84 mortos e meia centena de feridos graves, segundo confirmou o próprio François Hollande, quando ontem se deslocou a Nice.

"Há cerca de 50 pessoas ainda entre a vida e a morte", disse ontem o chefe de Estado francês, que na tradicional entrevista do feriado nacional afirmara, à TF1 e France 2, que o estado de emergência seria levantado no próximo dia 26. Este foi imposto após os atentados terroristas que a 13 de novembro mataram 130 pessoas em Paris. Antes disso, em janeiro, 17 pessoas morreram em ataques contra o jornal satírico Charlie-Hebdo e um supermercado judaico. A França tem sido - e poderá continuar ser - um alvo primordial de ataques. E apesar de o Euro 2016 não ter registado incidentes de maior em termos de terrorismo, Hollande, o seu governo, a oposição, a polícia, as secretas, todos sabem que a guerra está longe de estar ganha. Porém, nem sempre conseguem forjar unidade perante as sucessivas tragédias.

"Sabemos que não acabou. É terrível dizer isto numa altura em que ocorreu esta tragédia terrível. Estes atos terroristas podem ser comandados de longe, a partir do Iraque ou da Síria. Continuamos a enfrentar uma ameaça. Este é um combate muito longo que exige muito sangue frio e lucidez da parte de quem toma decisões", declarou o chefe do Estado francês na câmara municipal de Nice. Hollande tinha já anunciado o reforço das ações francesas contra o Estado Islâmico no Iraque e Síria. Deixou ainda apelos à "unidade", depois de choverem críticas por parte de figuras ligadas à oposição.

Reagindo ao ataque de Nice, o presidente da comissão de inquérito aos atentados de 2015 e deputado do partido Os Republicanos Georges Fenech apressou-se a escrever no Twitter que esta era "uma tragédia previsível". O antigo magistrado acusa o governo de não ter levado em conta as conclusões do seu relatório final, nomeadamente as que falavam na necessidade de criar uma agência nacional de serviços de informações, ideia rejeitada pelo ministro do Interior. Por isso, diz agora Fenech, Bernard Cazeneuve deve agora explicações. O deputado lembrou ainda que desde janeiro do ano passado, 230 pessoas morreram já em França devido a ataques terroristas, que há 13 mil indivíduos identificados por radicalização e que cerca de dois mil franceses foram combater para teatros no estrangeiro, nomeadamente com o Estado Islâmico.

Também o presidente do Conselho Regional de Provence-Alpes-Côte d"Azur, Christian Estroisi, que é natural de Nice, escrevera na véspera do ataque à cidade a Hollande a pedir "um grande plano de emergência para proteger os polícias e dar-lhes meios para agir". O ex-primeiro-ministro Alain Juppé, candidato às primárias d"Os Republicanos com vista às eleições presidenciais de 2017, não foi de menor dureza com o governo: "Se todos os meios tivessem sido empregues, o drama de Nice não ocorreria". O ex-presidente Nicolas Sarkozy, possível rival de Juppé, constatou que "nada poderá ser como dantes". Outra presidenciável, a líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, culpou de imediato "o flagelo do fundamentalismo islâmico" pelo ataque de Nice (o apoio à extrema-direita cresceu na região).

Após reunião do Conselho de Defesa o governo anunciou a manutenção dos 10 mil efetivos que participam na operação Sentinela (que iam ser reduzidos para 7 mil) e convocação da reserva operacional (com 28 mil reservistas oriundos do Ministério da Defesa e 23 mil da gendarmerie). Falando ontem à noite à France 2, o primeiro-ministro, Manuel Valls, insistiu também na ideia de que "esta guerra está longe de terminada (...) os terroristas procuram dividir-nos. Devemos unir-nos". O socialista garantiu que o dispositivo de segurança na altura do fogo de artifício em Nice foi o mesmo do que o do Carnaval de Nice ou do Euro. "Estou farto que se ponha em causa as forças de segurança, os polícias, os serviços secretos. Não [não houve falhas ontem à noite]. Este ano foram [travados] 15 atentados".

De todos os cantos do mundo chegaram votos de pesar, declarações de condenação e de apoio a França e ao seu povo. Barack Obama, Vladimir Putin e Theresa May foram alguns dos líderes mundiais que defenderam França. O Hexágono, como é conhecido o país, encontra-se numa guerra contra o jihadismo em três frentes: os bombardeamentos contra o Estado Islâmico no Iraque e Síria (em que estão envolvidos outros países), a ofensiva contra grupos jihadistas do Sahel inspirados na Al-Qaeda (em ações que vão da República Centro-Africana ao Mali), a luta contra o terrorismo doméstico (indivíduos radicalizados que querem atacar dentro da França). Nice, com muitos muçulmanos entre a sua população, já foi palco de outros ataques menores e foi daí partiram alguns jihadistas para se juntarem ao Estado Islâmico. Desde o início do ano, 55 residentes de Nice e de outros departamentos da região foram para o Iraque e Síria. Por tudo isto, em maio, no Parlamento, o chefe do contraterrorismo francês, Patrick Calvar, afirmou: "A França é o país mais ameaçado. A questão sobre a ameaça não é saber se, mas quando e onde".

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG