"Impediremos os juízes e procuradores do Tribunal Penal Internacional de de entrar nos EUA. Congelaremos quaisquer fundos que tenham no sistema financeiro americano, e processá-los-emos no nosso sistema criminal. Faremos o mesmo a qualquer empresa ou estado que ajude o TPI a investigar americanos. (...) Os EUA usarão quaisquer meios necessários para proteger os nossos cidadãos e os dos países nossos aliados da injusta perseguição por parte deste tribunal ilegítimo.".As ameaças contra o tribunal internacional criado em 2002 para investigar e julgar crimes contra a humanidade foram proferidas esta tarde por John Bolton, o conselheiro de segurança nacional de Trump, naquele que é considerado o seu mais importante discurso desde que tomou posse, em abril. No respetivo texto, difundido pela Reuters, Bolton, que frisou estar a falar "na véspera do 11 de setembro e em nome do presidente", diz também:"Não cooperaremos com o TPI. Não o assistiremos em nada. Nunca aderiremos ao TPI. Deixá-lo-emos morrer por si. Aliás, para todos os efeitos, o TPI está morto para nós.".OLP expulsa dos EUA.Bolton anunciou também que o governo vai fechar a representação diplomática da Organização de Libertação da Palestina em Washington. "A administração Trump não manterá esta representação aberta quando os palestinianos recusam abrir negociações diretas e verdadeiras com Israel.".O ataque ao tribunal criado em 2002 e à OLP, que tem instado o TPI a investigar aquilo que considera crimes de guerra de Israel, surge na véspera do 17º aniversário do maior ataque terrorista aos EUA. Que, recorde-se, determinou a invasão do Afeganistão e depois do Iraque, em 2003, a multiplicação de detenções ilegais de suspeitos de terrorismo - as chamadas "detenções extrajudiciais" - a legalização da tortura (o famoso water boarding) e o transporte ilegal de prisioneiros nos chamados "voos secretos da CIA" para centros de detenção secretos em vários países "amigos" dos EUA ("black sites"), onde foram torturados..O TPI tinha admitido em 2016 que as forças armadas americanas e a CIA cometeram crimes de guerra, torturando de detidos no Afeganistão, e a sua procuradora-chefe, Fatou Bensouda, anunciou em novembro passado tencionar pedir a abertura de um inquérito sobre crimes de guerra cometidos no âmbito do conflito afegão, nomeadamente pelo exército norte-americano, Naturalmente, a reação do tribunal sediado em Haia às palavras de Bolton, através de uma fonte citada pela agência EFE, foi contida: "O TPI continua comprometido com o exercício independente e imparcial do seu mandato e como instituição judicial atua estritamente no âmbito do quadro legal do Estatuto de Roma [que estabelece os termos do funcionamento do TPI].".Também a OLP, que congelou as relações com as autoridades americanas desde que estas reconheceram Jerusalém como capital de Israel, já reagiu: "Reiteramos que os direitos do povo palestiniano não estão à venda, e que não sucumbiremos às ameaças e bullying dos EUA", disse um dos representantes da organização, Saeb Erekat, à Reuters. "Em consonância, continuaremos a instar o TPI a abrir de imediato uma investigação aos crimes israelitas.".Erekat considerou que o anúncio de Bolton se integra "numa escalada perigosa" e naquilo que qualifica como "política de castigo coletivo praticada pela administração Trump contra o povo palestiniano, ao qual já cortou a ajuda financeira para serviços humanitários, incluindo nos setores de saúde e educação.".Na orgulhosa companhia da Rússia e da China.Bolton, que discursava na Federalist Society, uma instituição conservadora, tendo sido copiosamente aplaudido, gabou-se de ter, primeiro como subsecretário de Estado na administração de George W. Bush (2001-2009) e depois como embaixador na ONU, combatido sempre o tribunal que iniciou o seu funcionamento em julho de 2002. "O TPI constituía um ataque aos direitos constitucionais do povo americano e à sua soberania. Sob a orientação do presidente Bush, lançámos uma campanha diplomática global para proteger os americanos e impedir que fossem entregues ao TPI. (...) É uma das coisas que fiz de que mais me orgulho", afirmou, explicando que "a principal objeção americana ao tribunal é a ideia de que teria maior autoridade que a Constituição do país. "Em termos seculares não reconhecemos uma autoridade maior que a da nossa Constituição. Este presidente não permitirá que cidadãos americanos sejam processados por burocratas estrangeiros, e não permitirá que outras nações ditem o modo como nos defendemos.".Relembre-se que os EUA, então governados por Bill Clinton, assinaram o Estatuto de Roma em 2000, exprimindo assim a sua adesão à criação de um tribunal internacional permanente que visa "levar à justiça os perpetradores dos piores crimes - crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio - quando os tribunais nacionais não podem ou não querem fazê-lo.".Mas Clinton não submeteu o Estatuto à aprovação do Senado e em 2002 os EUA, já sob George W. Bush, e ao mesmo tempo que Israel e o Sudão, notificaram as Nações Unidas de que não tencionavam ratificar o Estatuto, retirando-se assim do conjunto das 123 nações que reconhecem o TPI. Outras nações que não aderem ao TPI são a China e a Rússia..Apesar de a atitude da administração Obama face ao tribunal ser menos hostil que a que a antecedeu, adotando estatuto de observadora e apoiando as investigações às atrocidades no Darfur, os EUA mantiveram-se fora do TPI.