"Estes cobardes não vão mudar a nossa forma de vida"

Capital britânica acordou em choque com novo ataque na noite de sábado. Polícia disparou 50 tiros para abater três suspeitos.
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Andrew Mcaleer tinha voltado ao palco para a segunda parte do concerto da banda Hosen Brass quando se apercebeu de que algo não estava bem. Ia perguntar aos empregados do bar Katzenjammers o que tinha acontecido e se deviam recomeçar a tocar quando a polícia entrou, mandando toda a gente deitar-se no chão. Acabou numa sala das traseiras com uma dúzia de pessoas, entre as quais um homem com um ferimento na cara que dizia ter sido esfaqueado.

"Só podíamos dizer-lhe para continuar a fazer pressão na ferida e ficar calado, porque era o que nos tinham dito para fazer", conta ao DN. Lá fora, Londres estava a viver um novo ataque terrorista.

Passavam poucos minutos das 22.00 de sábado quando uma carrinha branca alugada atropelou várias pessoas na Ponte de Londres, seguindo para a zona de restaurantes e bares do mercado de Borough. Três homens saíram, armados com facas e falsos coletes de explosivos, e começaram a esfaquear as pessoas até serem abatidos pela polícia - oito agentes dispararam cerca de 50 tiros. Na cave do bar, Andrew não ouviu os tiros, ao contrário de Michael Angell. "Primeiro ouvimos dois e passado uns minutos outros dois", explica repetidamente de manhã aos jornalistas que estão junto ao cordão policial que os impede de se aproximarem da zona onde sete pessoas morreram e 48 ficaram feridas (21 com gravidade).

Michael estava a jantar com amigos no restaurante Arabica. "De repente, como estávamos sentados na mesa mais próxima da rua, vimos o segurança a dizer para fechar a porta, bloqueá-la e procurar abrigo", explicou. Instalou-se o pânico. "Olhei lá para fora e vi alguém a lançar coisas contra outra pessoa e não percebia o que se passava. Afinal, era um homem heroico que tentava impedir aqueles cobardes de continuarem o ataque", recorda.

Segundo as autoridades, oito minutos após receber o primeiro alerta, a polícia estava no local e pouco depois neutralizava os três suspeitos. Mas o pânico durou horas. "O restaurante foi evacuado meia hora depois de nos abrigarmos. Nas ruas, havia carteiras no chão, sapatos de salto alto, sangue, havia vítimas que estavam a ser socorridas", conta Michael, lembrando que o pior foi achar que já estava em segurança e haver novo momento de pânico quando a polícia alargou o perímetro de segurança.

A dezenas de metros, no Novotel London City South o barulho das sirenes e das pessoas em fuga chamou a atenção dos hóspedes, que se apressaram a ir às janelas. Mas Gavin pegou na família e barricou-se no quarto depois de ouvir um tiro, telefonando para a polícia. Por essa altura, já vira a notícia do ataque na televisão e o alarme de incêndio soara no edifício - "achei estranho que usassem o alarme, pensei que nesta situação não iam querer ninguém na rua, mas fechados nos quartos". Quando saiu do quarto deparou-se com polícias armados a subir as escadas. "Levantei os braços, disse-lhes quem era e onde estava a minha família e eles levaram-nos dali para fora". O filho estava alojado noutro sítio e foi no chão do quarto dele que passou a noite, sem dormir. De manhã, esperava como dezenas de pessoas - algumas em pijamas, robes e até descalças - para voltar a entrar no quarto.

Umas ruas mais acima, o barulho também chamou a atenção de Joshua, que foi ver o que se passava. "De repente, vejo uma multidão a subir a rua na minha direção e fugi de volta para casa", conta, dizendo que passou quase toda a noite acordado a ver o que se passava pela televisão. A poucos dias das eleições britânicas, Joshua admite que não sabe se estes acontecimentos terão ou não impacto. Diz que este não tem de ser o "novo normal", mas lembra que "temos de estar sempre vigilantes" porque pode voltar a acontecer a qualquer hora. "Não acho que temos de viver em medo ou parar de viver a nossa vida, mas temos de estar sempre atentos", diz.

Andrew, que regressou de manhã à zona do ataque para tentar recuperar as chaves do carro e de casa e os instrumentos que ficaram no bar onde atuava, concorda com Joshua na necessidade de ser vigilantes. Em relação às eleições, espera que isto não mude nada, tal como Richard. "As pessoas devem ir votar, independentemente deste incidente, por quem já iam votar. Quem normalmente não vota devia estar mais determinado para o fazer, porque é a nossa democracia, pluralismo, diversidade, igualdade e unidade que eles mais odeiam." E remata: "Estes cobardes não vão mudar a nossa forma de vida. Se flirtar com homens bonitos, sair com mulheres maravilhosas é o que chateia estas pessoas, então devemos fazer mais e não menos. É o que faz de Londres uma grande cidade."

Este é o terceiro ataque este ano no Reino Unido, depois de Westminster em março e Manchester há menos de duas semanas. "Isto é não só um ataque à minha cidade, como também à minha religião. O islão está a ser prejudicado pelos atos destes prevaricadores", disse o imã Abdul Quddus Arif, da comunidade muçulmana Ahmadiyya. Defendendo a transparência e o diálogo como forma de mostrar que estas ações não se coadunam com o islão, o imã está particularmente chocado por este evento no Ramadão. "Um tal ato neste mês tão sagrado é ainda mais desrespeitoso", alega junto à barricada policial.

Do outro lado da estrada, está Mohammad Yazdani Raza. "Os imãs desempenham um papel importante, como os pais, as escolas, a polícia. Temos uma responsabilidade coletiva que queremos cumprir", reconhece o presidente da London Fatwa Council. "Mas não devemos apontar o dedo uns aos outros. Porque não é culpa de ninguém. Infelizmente todos trabalhamos duro, mas estes ataques cobardes, pouco sofisticados, são difíceis de travar", acrescenta, dizendo que o facto de não haver qualquer sofisticação é precisamente a prova de que os terroristas estão a perder.

Enviada a Londres

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