Espanha: melhoria dos números traz dores de cabeça políticas a Sánchez
O país vizinho registou esta segunda-feira o mais baixo número de contágios desde que entrou em estado de alarme, mas à medida que avança no plano de desconfinamento, aumentam as críticas contra a continuação desse mesmo estado de alarme.
Ao mesmo tempo que anunciou as medidas de desconfinamento em Espanha, o primeiro-ministro Pedro Sánchez indicou a sua intenção de pedir um novo prorrogamento do estado de alarme, que começou a 14 de março. Para o líder da oposição, Pablo Casado, tal medida já "não tem sentido", não sendo ainda claro se o Partido Popular vai votar contra ou se vai abster no voto desta quarta-feira no Congresso espanhol.
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Depois de uma conversa por videochamada entre Sánchez e Casado, o líder socialista terá contudo deixado claro que não apoiar a continuação do estado de alarme pode levar a um "cenário de caos sanitário e económico", segundo informou o ministro dos Transportes e número 3 do PSOE, José Luis Ábalos.
Dirigindo-se "especialmente ao PP", sendo que há outros partidos reticentes em continuar a apoiar a medida, Ábalos disse ainda que "terá que responder diante dos cidadãos se houver um aumento dos contágios". Segundo o ministro, da conversa de uma hora entre Sánchez e Casado, parece ter ficado claro que o PP pretende votar contra mais 15 dias de estado de alarme.
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O estado de alarme em Espanha é o mais baixo de três níveis de emergência (seguem-se o estado de exceção e o estado de sítio), sendo aplicado pela segunda vez no país -- a primeira foi na greve dos controladores aéreos de 2010. Pode aplicar-se em situação de crise sanitária, como a atual, e permite, entre outras coisas, limitar a circulação de pessoas ou garantir o fornecimento de bens de primeira necessidade ou requisitar empresas.
Melhoria e desconfinamento
Espanha registou esta segunda-feira mais 167 mortes por covid-19 (um aumento igual ao de domingo), para um total de 25 428 desde o início da pandemia, assim como 356 novos casos diagnosticados, num total de 218 011. É o número mais baixo de novos casos desde que foi decretado o estado de alarme, com o alerta que os dados podem estar abaixo da realidade por causa do fim de semana alargado.
Depois de mais de 50 dias confinados, os espanhóis começam a ter maior liberdade para sair de casa, com algumas lojas a reabrir já esta segunda-feira -- sempre com marcação prévia da parte dos clientes, incluindo lojas de roupa, por exemplo. Os restaurantes também podem reabrir mas para preparar refeições só para take away. A próxima fase de desconfinamento, a partir de dia 11, já poderão reabrir algumas esplanadas nas áreas consideradas mais seguras, num plano que inclui quatro fases, pode variar de província para província, e é revisto a cada 15 dias.
Nos transportes públicos é obrigatório o uso de máscara desde esta segunda-feira. Já desde o dia 28 de abril que as crianças até aos 14 anos foram autorizadas a sair de casa até uma hora por dia, sempre no raio de um quilómetro de casa. Desde sábado, que os mais velhos também podem sair, em diferentes faixas horárias consoante a idade, para um pequeno passeio ou praticar desporto. Até agora só tinham autorização para sair de casa para ir ao supermercado, à farmácia ou ao médico, e passear o cão.
Críticas do PP
Numa entrevista à rádio Onda Cero, Casado defendeu que manter o estado de alarme representa "uma chantagem a quatro milhões de espanhóis que estão sem trabalhar", acrescentando que tal é "imoral".
Isto porque o Estado espanhol apenas assegura as prestações do ERTE (expediente de regulação temporal de emprego), que coloca os trabalhadores temporariamente no desemprego, durante esse estado de alarme e levantá-lo seria acabar com esse apoio. Algo que o líder do PP quer que deixe de acontecer, desvinculando um do outro.
Além disso, Casado alega que para impor restrições à liberdade de circulação não é preciso o estado de alarme, defendendo que se deve apenas recorrer à Lei Geral de Saúde Pública.
O PP queixa-se de falta de diálogo com o primeiro-ministro, com Casado a descobrir as medidas referentes ao desconfinamento como outros espanhóis: pela televisão. Durante a crise, o primeiro-ministro esteve também várias semanas sem falar diretamente com o líder da oposição, apesar dos apelos à união. Antes do telefonema desta segunda-feira, não falavam há duas semanas.
A união nunca parece ter existido durante toda a crise, mas a situação parece apenas piorar à medida que começa a ver-se a luz ao fundo do túnel: "Isto é como uma guerra de baixa intensidade. É uma operação para derrubar o governo e não há pudor. Agora que os dados começam a melhorar um pouco, intensificam a campanha. E depois vão aferrar-se ao derrube económico. É a mesma estratégia do PP de 1996, de 1996, de 2008, de 2011. Já o vimos antes", disse um membro do governo ao jornal El País, sob anonimato.
Segundo uma sondagem publicada pelo jornal La Razón, o PP é o partido que mais cresce com a crise do coronavírus em Espanha, mas fá-lo às custas do Ciudadanos e do Vox e o centro-direita continua aquém do centro-esquerda. O PSOE perde, segundo a mesma sondagem NC Report, cerca de 800 mil votos (com um grande aumento da abstenção), sendo que o seu sócio no governo, a aliança Unidas Podemos, não está a sofrer o mesmo desgaste.
Noutra sondagem, referente apenas à Comunidade de Madrid, e publicada pelo ABC, o PP dispara em intenções de voto, quase duplicando os valores atuais. Num regresso ao bipartidarismo, o PSOE também sobe mas ligeiramente e graças à sangria de votos do Más Madrid, de Íñigo Errejón (ex-Podemos).
Resposta do governo
Na conferência de imprensa, Ábalos lembrou que "a declaração do estado de alarme não obedeceu ao capricho do governo mas à situação de extrema emergência". E apelou ao sentido de responsabilidade dos partidos espanhóis para o prorrogar pela quarta vez.
Por seu lado, o ministro da Saúde, Salvador Illa, reiterou que "o estado de alarme é uma ferramenta imprescindível durante o desconfinamento". Além disso defendeu que é melhor "não fazer experiências que nos podem levar ao caos".
Além do PP, também o Partido Nacionalista Basco (PNV, que apoiou o governo de Sánchez) e a Esquerda Republicana da Catalunha (independentistas catalães, que também facilitaram o executivo de minoria) estão a colocar entraves a mais um período de estado de alarme. O que pela primeira vez coloca a sua aprovação em risco, sendo que uma abstenção do PP garantia mais votos "sim" do que "não" e permitia que este avançasse.
O PNV, que governa no País Basco (que tinha previsto eleições autonómicas no início de abril que foram adiadas por causa do coronavírus), quer de Sánchez maior autonomia para as comunidades autónomas, no momento da desconfinamento, sempre em consonância com o que é decidido a nível central.
Processos judiciais a caminho
O governo vai enfrentar também outro campo de batalha: os tribunais. Há queixas contra o próprio primeiro-ministro, que só poderão ser avaliadas no Supremo Tribunal, por homicídio por negligência, crimes contra a saúde pública ou crimes contra os trabalhadores, só para mencionar alguns.
Os profissionais de saúde já apresentaram queixa pela falta de material de proteção, havendo também queixa pelo facto de se terem autorizado as marchas do Dia da Mulher quando já corria o vírus por Espanha.
Até o próprio estado de alarme será discutido no Tribunal Constitucional, para garantir que seguiu à risca o que diz a constituição.