Hong Kong. Eleitores chamados às urnas em clima de alta tensão
"Vai ser uma batalha dura." Dado o contexto, a frase pode não ser a mais prudente, mas foi usada pelo número dois da Aliança Democrática para a Melhoria e Progresso de Hong Kong (DAB), Chan Hok-fung "Muita gente apoia a violência por isso a situação está para lá do que podemos prever e avaliar", disse o dirigente do partido pró-Pequim ao South China Morning Post .
É que a região administrativa especial chinesa está a viver uma luta sem precedentes entre o campo favorável a Pequim e o campo que defende um aprofundamento da democracia, quando se contam dois mortos, milhares de detidos e de feridos -- entre eles candidatos às eleições locais deste domingo -- ao fim de meio ano de protestos nas ruas.
Os resultados das eleições de domingo são imprevisíveis. A sociedade continua dividida face ao movimento de protesto, em especial com a radicalização dos manifestantes, que passaram a responder à polícia com violência.
Para o cientista político Ivan Choy Chi-keung esse fator pode jogar contra o campo democrata. "Os pró-democratas poderiam ter obtido uma vitória esmagadora se as eleições tivessem sido realizadas no verão, quando os protestos eclodiram", disse ao South China Morning Post. "Mas depois dos recentes confrontos em duas universidades, os eleitores indecisos podem estar preocupados com a ordem pública e sentirem-se desmotivados para votar."
As eleições locais batem, para já, dois recordes: o de candidatos, com 1.104 para os 452 lugares elegíveis (de um total de 479) para os 18 conselhos distritais; e de eleitores, com 4,1 milhões de eleitores inscritos para votar nos conselheiros distritais. Estes gerem alguns serviços e despesas locais sobre questões do quotidiano das comunidades, como os transportes, a saúde pública, eventos culturais ou a recolha do lixo.
Mas as eleições têm outro peso. Em 2017, o ativista Benny Tai lançou uma campanha para os pró-democratas elegerem a maioria dos representantes locais. O objetivo é forçar uma reforma política através dos resultados democráticos. Ao eleger o maior número possível de conselheiros distritais, o campo democrata pode ficar com 117 representantes no comité eleitoral. Este órgão de 1.200 pessoas elege o chefe do executivo de Hong Kong. O comité eleitoral, representativo de todos os setores da sociedade, é dominado pela fação pró-Pequim. "Devemos fazer pleno uso de todas as eleições disponíveis para que deixem de ser manipuláveis e assim forçarmos os governos local e central a mudar o sistema", disse Tai ao South China Morning Post.
Além do mais, cinco conselheiros distritais podem concorrer a outros tantos lugares no Conselho Legislativo (o parlamento) de Hong Kong, em setembro de 2020.
O primeiro resultado foi alcançado: pela primeira vez todos os lugares têm pelo menos um candidato, quando antes havia círculos só com candidatos de partidos pró-Pequim. Estes, em 2015, elegeram 298 conselheiros em 431 lugares, o que lhe deu o controlo de 17 dos 18 distritos.
O campo pró-democrático sofreu entretanto uma derrota simbólica. A comissão eleitoral impediu o ativista Joshua Wong de concorrer. Um dos líderes do movimento dos guarda-chuvas, um protesto pacífico que durante mais de dois meses e meio em 2014 exigiu a instauração do sufrágio universal, Wong, de 22 anos, foi excluído "uma vez que advogar ou promover a autodeterminação contraria o conteúdo da declaração exigida por lei a um candidato, a de respeitar a Lei Básica e jurar lealdade" a Hong Kong.
Na sexta-feira, ao fim do segundo dia sem violência, a polícia apelou para que os manifestantes não perturbem as eleições. "Temos de garantir a segurança dos eleitores e deixá-los votar sem qualquer interferência", disse o novo comissário de polícia, Tang Ping-keung. O oficial prometeu destacar patrulhas perto das assembleias de voto para prevenir perturbações no processo democrático. "Qualquer ato de violência ou de perturbação é um ato contra os sete milhões de pessoas de Hong Kong", declarou.
O governo instou os manifestantes a não interferir na votação. "Nós não queremos a suspensão ou o adiamento da votação a menos que seja absolutamente necessário", disse Patrick Nip, secretário dos Assuntos Constitucionais. A chefe do Executivo, Carrie Lam, pode cancelar as eleições até 24 horas antes do seu início.
Os protestos iniciaram em março mas explodiram em junho devido a um projeto de lei, entretanto abandonado, que permitiria a extradição de cidadãos para julgamento na China continental. Perante a resposta das autoridades, os manifestantes passaram a ter cinco exigências. Além do cancelamento oficial da lei da extradição, pedem também uma comissão de inquérito independente para investigar a conduta policial durante os protestos, amnistia aos que estão detidos, o fim da definição dos protestos como motins (pela consequente moldura penal) e retomar o programa de reformas políticas para aprofundar a democracia.
Para Pequim é inadmissível colocar-se em causa a política "um país, dois sistemas" e tem estacionado milhares de soldados na província vizinha de Hong Kong. A chefe do executivo, Carrie Lam, chegou a admitir a entrada do exército chinês no território.
No caminho para estas eleições vários dirigentes foram atacados. Um homem esfaqueou o deputado pró-Pequim Junius Ho este mês; também no início de novembro, um homem mordeu uma orelha do conselheiro distrital pró-democracia Andrew Chiu; em outubro, Jimmy Sham, da Frente Civil dos Direitos Humanos (pró-democracia), foi espancado por homens com martelos.
Outros 17 candidatos foram presos por atividades relacionadas com as manifestações.
"Como é que as eleições podem ser justas se a atmosfera é esta?", perguntou o candidato ao conselho distrital Clement Woo, pró-Pequim, à Reuters.
A campanha não foi fácil de realizar. "Eu tento concentrar-me em questões que são puramente distritais", diz Kwan Siu Lun, um candidato e arquiteto pró-democracia de 38 anos. "Mas, claro, os eleitores pedem-me as minhas opiniões políticas. E alguns insultam-me ou atiram os meus panfletos para o chão", conta à AFP.
Do outro lado do espectro político, Michelle Tang, candidata independente do campo pró-Pequim, espera ser reeleita em Tsim Sha Tsui, distrito onde se situa a Universidade Politécnica, que tem ativistas pró-democracia barricados. "Algumas lojas recusaram-se a colar o meu cartaz", com medo de provocar reações de manifestantes, explica, apesar de, em privado apoiarem-na", diz.