Dos dourados ao gospel, sete dias na América de Donald Trump
20 de janeiro
Na casa de Trump
Dali a poucas horas em Washington Donald Trump vai prestar juramento com a mão sobre a Bíblia de Lincoln e tornar-se o 45.º presidente dos Estados Unidos. Mas em Nova Iorque, diante da Trump Tower, sua casa desde 1983, na Quinta Avenida, os turistas vão tirando selfies. Dana empunha dois cartazes onde se lia "Dump Trump" (deixem cair Trump) e repete a quem a quer ouvir que tem "um mau pressentimento" em relação à ligação do milionário à Rússia. Para chegar ao interior da torre de 58 andares, é preciso passar primeiro pelos polícias que bloqueiam a rua e depois meter a mala no raio X. Mas uma vez no lobby, à esquerda lá estão os elevadores dourados e em frente a escada rolante que leva ao Starbucks. Àquela hora são poucos os curiosos. Claro que ninguém chega à espampanante penthouse onde Trump vive com a mulher, Melania, e o filho mais novo, Barron, mas nas áreas acessíveis os dourados não desiludem.
Tempo de descer ao bar e é hora de sair. São 10.30, falta uma hora e meia para Trump tomar posse. Ele fica na Casa Branca. Melania e Barron voltam. Até ao fim do ano letivo.
21 de janeiro
A marcha cor-de-rosa
Nicole e Camille vêm de Westchester, a norte de Nova Iorque. Mãe e filha caminham apressadas pela Primeira Avenida em direção à Dag Hammaskjold Plaza, onde está marcado o início da Marcha das Mulheres nova--iorquina. "Começámos por querer ir a Washington DC, mas sou mãe solteira, sou professora, estava cansada e optámos antes por vir a Nova Iorque", explica Nicole. Ao lado, Camille, gorro de um rosa mais forte do que o da mãe, empunha um cartaz. "A minha mensagem é esta: "Construam pontes, não muros"", diz a estudante, que confessa ter "muitos problemas com as coisas que o presidente Trump diz. Em relação ao ambiente, aos direitos das pessoas LGBT, das pessoas de cor". Por isso veio com a mãe. O epicentro é Washington, mas são muitas as cidades americanas que se juntaram a este protesto no feminino.
De Grand Central Station, os grupos afluem para a zona da ONU. Cachecóis, gorros, cartazes, o rosa domina. Mas também há homens na marcha. Muitos. Como John. Alto, barba branca, gorro e mochila às costas, empunha um cartaz onde se lê "igualdade de oportunidade, igualdade na justiça, igualdade de salário, igualdade de direitos para todos". Vindo de Albany, garante que "a retórica inflamada de Trump põe uns contra os outros". As mulheres? "Fizeram o favor de nos convidar!", brinca.
22 de janeiro
Uma missa no Harlem
"Vai ficar até ao fim da celebração?", pergunta o jovem negro de blusão de cabedal à entrada da First Corinthian Baptist Church. Quem não tem a certeza de ficar a hora e meia que dura a missa das 09.30 naquela igreja do Harlem é encaminhado para o balcão, "aí pode sair quando quiser". No cimo das escadas, mais voluntários, camisolas roxas, ajudam os turistas a sentar-se. Tudo muito profissional. Tanto quanto os quatro jovens lá em baixo, no palco, de microfone na mão, que entoam Lord, I Love You.
Acompanhados por músicos ao vivo, vão puxando pela assistência, que se agita ao ritmo do gospel, batendo palmas, primeiro meio envergonhadas, depois mais firmes.
Na plateia está a congregação. Mãos erguidas, olhos fechados, meio em transe. Na larga maioria são negros ou não estivéssemos na Rua 116, pouco acima da zona onde começa o Harlem. Lugar agora para a pastora Kendra. Túnica colorida, cabelo rapado, brincos enormes, começa por pedir cobertores e voluntários para a festa do Super Bowl. Mas não resiste a um pouco de política: "Não há más energias vindas de Deus. Só o presidente Trump!", que acabara de assinar um decreto para pôr fim ao Obamacare.
23 de janeiro
Muito vento, um touro e a senhora Liberdade
Um dia depois de ter sido palco de um protesto contra o presidente Trump, a Ponte de Brooklyn, num início de tarde chuvoso, está nesta segunda-feira reservada aos poucos turistas que se atrevem a desafiar o vento. Muito, muito vento. Mas de gorro e cachecol até ao nariz lá vão tiram a inevitável selfie.
Dali à famosa Wall Street, a caminhada não é longa. Lá está a placa preta com as letra brancas. Mais abaixo, junto ao touro, a estátua da autoria de Arturo Di Modica, que virou símbolo dos protestos contra a crise financeira de 2008, mais um grupo de turistas, mais fotos. E o cenário repete-se no extremo sul de Manhattan, com a estátua da Liberdade lá ao fundo. Indiferentes às notícias de que Trump retirou os EUA de dois acordos comerciais, dois casais franceses e os filhos adolescentes viram costas à Lady Liberty para apreciar a chama eterna colocada ali em homenagem à vítimas do 11 de Setembro. "Estamos de férias, não vemos notícias", diz uma das mulheres, antes de lançar para os outros adultos: "Nós, os velhos, vamos ao hotel, vocês, jovens, façam o que quiserem!"
24 de janeiro
Voltou a haver gatos na Broadway
"Vi o Cats quando era miúda, vim com os meus pais, e agora quis que a minha filha viesse também", explica Natalie, sentada ao lado da filha adolescente. A oportunidade surgiu com o regresso no verão de 2016 do musical de Andrew Lloyd Weber à Broadway, onde foi encenado pela primeira vez em 1982, um ano depois da estreia em Londres. Agora é inverno, mas as luzes da Broadway, para quem sobe desde Times Square, não se deixam afetar por uma chuvinha. "É lindo, vai ver!", diz Natalie quando as luzes se apagam no Neil Simon Theater. Aos primeiros acordes, surgem no palco os Jellicle Cats e as preocupações ficam lá fora. Já não há Trump, nem apoios para o aborto suspensos. Nada. Ali só há a música de Lloyd Weber, os poemas de T.S. Eliot e gatos. Gatos como Alonzo, Munkustrap, Mungojerrie e Rumpleteazer, o patriarca Old Deureronomy e, claro, Grizabela e o seu Memory , que arrepia.
Nos últimos lugares lá em cima, os bilhetes custam 57 dólares, mas após duas horas de espetáculo não há dúvidas de que os Jellicle Cats valeram cada centavo. "Não foi lindo?", pergunta Natalie de lágrimas nos olhos? "Foi."
25 de janeiro
Visita de estudo ao MoMA
São uns 20, têm entre 7 e 8 anos, gritam, empurram-se, riem-se e não param quietos. "Eles estão muito excitados", explica a professora, de casaco de pelo colorido. Nada de espantar ou não fosse dia de visita de estudo e o destino o MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Para já os alunos desta escola primária "não muito longe, na 11.ª Avenida", estão à porta do museu, na Rua 53, entre a Quinta e a Sexta avenidas. Ainda não são 09.30, hora a que as portas abrem. Apoiada por uma estagiária e uma mãe, a professora explica que costumam levar os alunos a visitas deste género, "mas é a primeira vez que trago esta turma ao MoMA". A turma revela a diversidade de Nova Iorque: brancos, negros, asiáticos e hispânicos. No dia em que Trump prometeu começar a construir o muro com o México, como é que o presidente foi apresentado aos alunos? "Falámos nisso. Explicámos que há um novo presidente. Mas eles são pequeninos, não querem saber da política!", remata a professora.
26 de janeiro
"Quem quer um Donald?"
À pergunta quanto custa um Donald Trump, Marie responde com um sonoro "são 28 dólares, mas com as taxas fica a mais de 30 dólares!" E vendem-se mais Donalds ou Michelles, as bonequinhas da ex-primeira-dama que intercalam com os do novo presidente no expositor da loja junto às portas de embarque no aeroporto de Newark? "Mais Donalds, acredita?", exclama Michelle, antes de explicar: "As pessoas acham que ela não está parecida. Já ele, está novo demais!", diz do presidente que acaba de anunciar o início da construção do muro com o México, em vésperas do encontro com a primeira-ministra britânica, Theresa May. Divertida, Marie pega nas duas figuras de Trump e lamenta: "Só é pena não ter aqui um boné "Make America Great Again"." Isso resolve-se. E, já com o boné vermelho na cabeça, Marie posa para a foto enquanto chama os clientes: "Quem quer um Donald? Nós temos um por quatro anos e não precisamos dele!"
A jornalista viajou a convite da FLAD